"O Mundo não é uma herança dos nossos pais, mas um empréstimo que pedimos aos nossos filhos" (Autor desconhecido)

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Sebastian Delcano



VIAJANTES, AVENTUREIROS E EXPLORADORES


Sebastian Delcano – (Juan Sebastian Delcano; Getaria (1), 1476 – Oceano Pacífico, 04/08/1526) – Explorador e navegador de origem basca que liderou a primeira circum-navegação marítima planetária.




Oriundo duma comunidade pesqueira basca, desde jovem se lançou nas artes marinhas da pescaria. Adulto, tornou-se marinheiro, forma evolutiva natural da sua ligação ao mar, arranjando trabalho a bordo de navios que transportavam soldados para as praças norte-africanas (2).

Nos finais do século XV Sebastian Delcano torna-se proprietário dum pequeno navio de carga mas os negócios não lhe correm de feição pelo que, em fuga dos credores, refugia-se em Sevilha, onde aperfeiçoa as artes de navegação na Casa da Contratación. No início de 1500 encontramo-lo a combater os franceses na península itálica e nove anos mais tarde integra uma expedição militar a Argel.

Em 1519, como forma de se redimir dum acto ilegal que praticara ao entregar o seu navio a banqueiros genoveses para saldar dívidas, voluntaria-se para integrar a expedição de Fernão de Magalhães (3).

Quando a Armada se encontrava nas costas da Patagónia, a hibernar durante uns meses em Puerto de San Julian, rebela-se contra a autoridade do comandante da expedição, mas o motim acaba por falhar e Sebastián Delcano é despromovido. Uns meses mais tarde Fernão de Magalhães recondu-lo ao lugar de Capitão de Navio.

Após a morte de Fernão de Magalhães assume a liderança da expedição e consegue atingir a costa espanhola, em Sanlúcar de Barrameda (Província de Cádiz) a 08 de Setembro de 1522 a bordo da nau “Vitória” (4) tornando-se, ele e os seus 17 companheiros sobreviventes (5), nos primeiros homens a terem conseguido completar a primeira circum-navegação marítima (6), depois de terem percorrido 42.000 milhas marítimas entre 1519 e 1522, sendo que metade deste percurso foi feito em águas totalmente desconhecidas.

Em 1525 integra uma expedição marítima comandada por Garcia Jofré Loayza, que se destinava a reivindicar a posse das Molucas para a Coroa Espanhola. Comandava um dos navios dessa expedição não tendo concluído a mesma por ter falecido vitimado pelo escorbuto (7), quando navegava pelas águas do Oceano Índico, águas estas que acabaram por lhe servir de mortalha. 

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(1) – Getaria – É, actualmente, um município basco da Província de Guipúzcoa.
 
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(2) – Espanha nunca teve grande presença no continente africano, salvo na área nortenha. Ceuta, Melilha e parte de Marrocos foram exemplos disso (Ceuta ainda se mantém sob domínio espoanho). Na África subsahariana apenas a actual República da Guiné Equatorial foi uma colónia espanhola, mas por cedência dos portugueses em 1777 e 1778, após celebração dos Tratados de Santo Ildefonso e de El Pardo. A política expansionista da Coroa espanhola esteve, primordialmente, sempre virada para quase todo o continente americano.
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(3) – Fernão de Magalhães – (1480 – Mactan (ilha de Cebu), 27/04/1521) – Filho de família nobre mas de segundo plano, havendo incertezas quanto ao seu local d nascimento – Sabrosa ou Porto – aos dez anos tornou-se pajem da Rainha D. Leonor (casada com o monarca D.João II). Aos vinte e cinco anos de idade ruma para o Oriente, atingindo a Índia em 1505 integrado na Armada de D. Francisco de Almeida. Durante os oito anos seguinte percorre todo o Oriente dominado pelos portugueses até que retorna ao Reino, em 1513, onde acaba a expedicionar a Azamor (cidade marroquina), sob o comando do Duque de Bragança. Os actos valorosos que demonstra em vários combates levam-no a ser promovido a quadrilheiro-mor, cuja missão era a de repartir entre todos os proventos dos saques. Regressado a Lisboa, requer uma pensão a El-Rei D.Manuel I, mas recusam-lha pois é acusado de fraude nesta sua função de quadrilheiro, o que o leva a regressar a Azamor e demonstrar a sua inocência. Com o caso arquivado volta a insistir na sua pensão pelos serviços prestados ao País, mas voltam a indeferir o seu pedido.



 
Começa a trabalhar no seu projecto de atingir as ilhas das Molucas (situadas na actual Indonésia), viajando pelo Ocidente e apresenta tal ideia ao monarca português, mas D. Manuel I rejeita-o. Fernão de Magalhães vai para Espanha onde cativa o interesse de Carlos V, que vê com agrado tal ideia. Assim, em Setembro de 1519, parte de Sevilha comandando uma Armada de cinco embarcações comportando 234 homens.
 
Dois anos depois de navegar, Fernão de Magalhães atinge um novo arquipélago a que dá o nome de São Lázaro (actual arquipélago que compõe a República das Filipinas) e, contrariando as reais ordens emanadas por D. Carlos V de que nunca se deviam envolver em guerras locais de tribos, Fernão de Magalhães contrariando também o parecer dos seus capitães, envolveu-se numa questão local que opunham duas tribos em guerra, tomando partido duma delas e acaba, num combate, frechado por duas setas envenenadas e depois apunhalado pelas forças inimigas.
 
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(4) – Partiram, de Sevilha, cinco navios que compunham a Armada de Fernão de Magalhães, que são os seguintes: 

1. Trinidad; de 100 tonéis*, com uma tripulação de 55 homens;
2. San António; de 60 tonéis, com uma tripulação de 60 homens;
3. Concepcion; de 45 tonéis, com uma tripulação de 45 homens;
4. Victoria, de 85 tonéis, com uma tripulação de 42 homens;
5. Santiago, de 75 tonéis, com uma tripulação de 32 homens 

* Tonéis – O tonel é a medida, na marinharia, de capacidade do bojo dum navio, correspondendo sensivelmente a 2,80 metros. O somatório da capacidade dos tonéis que um navio comporta é que dá a tonelagem do mesmo.
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(5) – Eis a lista, por ordem alfabética, dos 18 homens que completaram este feito histórico:
 
1. Antonio Hernández Colmenero – Marinheiro;
2. Antonio Lombardo (Pigafeta) – Intérprete; escritor;*
3. Diego Carmena – Marinheiro;
4. Francisco Albo – Piloto;
5. Francisco Rodrigues – Marinheiro;
6. Hans de Aachen – Artilheiro;
7. Hernando de Bustamante – Marinheiro;
8. Juan de Acurio – Piloto;
9. Juan de Arratia – Marinheiro;
10. Juan de Santandres – Grumete;
11. Juan de Zubileta – Pajem **
12. Juan Rodriguez – Marinheiro;
13. Juan Sebastián de Elcano – Mestre;
14. Martinho de Judicibus – Chefe de embarcação;
15. Miguel de Rodes – Piloto;
16 Miguel Sanchéz – Marinheiro;
17. Nicolas, o Grego – Marinheiro;
18. Vasco Gómez Gallego – Marinheiro; 

* - Antonio Lombardo – Passou à História como António Pigafetta (1491/1534). Marinheiro e geógrafo, era originário da península itálica, tendo nascido e falecido em Vicenza. Pagou do seu próprio bolso para poder integrar-se na Armada de Fernão de Magalhães.




Fez um registo detalhado sobre esta viagem, sendo a ele que somos devedores do conhecimento histórico de tudo o que se passou na mesma. Registou, com minúcia, o clima, a flora, os gentios, a geografia das regiões que atravessavam, bem como cartografou alguns desses territórios. Depois do términos da viagem retornou à sua terra natal onde escreveu o relato desta odisseia no livro “Relazione del Primo Viaggio Intorno del Mondo” (“Relação da Primeiro Viagem à Volta do Mundo”).

** - O mais novo dos tripulantes: tinha 14 anos de idade e estava registado no livro de bordo como Juan de Vizcaya.
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(6) – Saindo de Sevilha em 20 de Setembro de 1519, fizeram escala nas Canárias, atingindo as costas da América do Sul, tendo aportado ao Rio de Janeiro em 13 de Dezembro desse mesmo ano. Rumando para Sul, atingem Puerto San Julian (na actual Argentina) onde hibernam durante cinco meses e Fernão de Magalhães domina uma revolta interna. Ainda neste período que se perde a nau “Santiago”. Levantando âncora, rumam mais para Sul até que, finalmente, é descoberta uma passagem que ligava para o actual Oceano Pacífico*, passagem essa que passou à História como o Estreito de Magalhães, nomenclatura que ainda hoje se mantém**. Por esta altura estalou um motim a bordo do “San Antonio” e esta nau regressa ao Reino, ficando a Armada reduzida a três unidades navais.





Em Março de 1521 atingem o arquipélago de Guam (actual território norte-americano) e a 07 de Abril as Filipinas. Dias depois ocorre a morte de Fernão de Magalhães e João Lopes de Carvalho assume o lugar de comando da expedição, mas dura apenas dois meses, pois acaba deposto. Sebastian Del Cano lidera agora a expedição, e ordena a destruição da “Concepcion”, por falta de pessoal para manobrá-la. Finalmente atingem as tão ansiadas Molucas, onde comerciam as especiarias. A “Trinidad” fica em reparações nas Molucas e a “Victoria” efectua a viagem de retorno a casa. Mais tarde a “Trinidad”, depois duma tentativa frustrada de chegar à América do Sul, regressa às Molucas e acaba aprisionada pelos portugueses. Entretanto a “Victoria” dobrou, em 1522, o Cabo da Boa Esperança (actual África do Sul) atinge Cabo Verde onde escala e vê mais alguns tripulantes serem aprisionados pelos portugueses e, finalmente, atinge porto espanhol, ao fim de 1080 dias de viagem.

 
* - Assim chamado por ter as águas muito calmas, que contrastavam com a rebeldia aquática que tinham sofrido na travessia do estreito de Magalhães

** - Passagem marítima, com cerca de 600 quilómetros de comprimento, e que se situa entre o extremo terrestre da América do Sul e a Terra do Fogo e o Cabo Horn.





Foi cruzado pela primeira vez por Fernão de Magalhães a 01 de Novembro de 1520
 
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(7) – Escorbuto – Doença já descrita na mensagem de 12 de Novembro de 2012, aquando da biografia de Alexander Srelkirk.


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HISTORIANDO MOÇAMBIQUE COLONIAL

 

 

Cossa - (?- 1784) Nome do chefe da tribo cossa que, em 1755, estabeleceu-se junto ao rio Mauzimuchope, vindo do Transval.
 
Cossa - Tribo que estava estabelecida entre os rios Incomáti e Limpopo, quando os portugueses chegaram ao sul de Moçambique. Fruto de guerras intestinas e tribais os Cossa, em meados do século XIX, perderam a sua importância. Apoiando Muzila** contra Maueva**, os Cossa, liderados por Magudza, neto de Maguzulana e fundador de Magude, acabaram por recuperar o seu antigo território e mantiveram, desde sempre, um bom relacionamento com os portugueses.
 
Magudza – (1830/1874) - Régulo cossa. Apoiou Muzila** contra Maueva**, na luta pelo trono vátua e, após a vitória do seu aliado recebe, como recompensa, as terras que o seu avô Maguzulane tinha conquistado. O seu filho, Chenguela, após lhe suceder, autoriza que os portugueses instalem-se em Magude, a capital fundada por Maguzulane.
 
Mãe do Ouro – Terminologia popular com que os portugueses se referiam ao Reino do Butua*, atendendo a que seriam neste Reino que se encontrariam as principais minas de ouro do interior sul do continente.
 
Macuas, Os – Povo banto estabelecido ancestralmente na região compreendida entre o oceano Índico, lago Niassa e os rios Chire, Zambeze Rovuma. Admite-se que entre 800 e 1.000 DC este povo separou-se em dois grandes ramos: os do norte e leste são os ancestrais dos modernos macuas e os do sul e oeste (lómués e lolos) estabeleceram-se no Chire e Zambeze. Estes últimos cruzaram-se com os maraves*, vindos do País Luba, no sul do Zaire. No decurso do século XVI, foram colonizados pelos maraves do Karonga** Muzura. Os maraves conseguiram unificar os clãs matrilineares macuas que se encontravam autonomizados uns dos outros e criaram dois reinos seculares, cujos reis receberam os títulos hereditários de Morla e Maurussa. Outros macuas, referidos por lomués, terão fugido à influência marave e refugiaram-se nos montes Namúli, mantendo a sua estrutura clânica. O termo lomué poderá ter origem no nome dado a um determinado tipo de solo existente nos montes Namúli, referido por “nlómué”, tendo os macuas absorvido essa palavra, para definir os que daí vieram. Com a desintegração dos maraves, no século XVII, os macuas deslocaram-se dos montes Namúli para as suas ancestrais regiões, que reocuparam e vindo a encontrar mulheres descendestes das suas linhagens, já que os maraves, para além de também terem uma estrutura matrilinear, não levaram consigo grandes grupos femininos. A reocupação das suas terras levou os macua-lomuès a travarem confrontos com outros povos entretanto ali instalados. Nesta altura a organização política dos macuas terá evoluído do clã para a tribo, mantendo estas a autonomia de umas para as outras, mas notando-se, por vezes, a tentativa de conjugação incipiente de várias tribos. Para as tribos foram transportadas a organização dos clãs, pelo que a mãe, a irmã mais velha e a filha mais velha do Régulo tinham preponderância social. A metalurgia terá entrado, nesta altura, nas actividades dos macua-lomuès e os maurussas terão actuado como intermediários comerciais entre o interior e o litoral. No decurso do século XVIII o incremento do comércio de escravos e marfim* do interior para o litoral, praticado por caravanas jáuas* levou os macuas do Reino Morla, sediadas em Itoculo, a interceptar e saquear essas carreiras, provocando rupturas graves nos circuitos comerciais. Em 1753 forças portuguesas, juntamente com forças dos xecados de Sancul** e Quitangonha*, atacam os morlas**, mas a expedição salda-se num desastre por inoperância portuguesa ao decapitar o seu aliado Xeque de Sancul. Os maurussas também actuavam contra as caravanas e, em 1766, os portugueses actuam contra estes, auxiliados pelas gentes do Xecado de Quitangonha, mas também não conseguiram finalizar os seus intentos. Em Janeiro de 1776 forças do Reino Morla, numa acção vingativa, atacam o Mossuril e chacinam mais de cem portugueses e aliados, para além de terem feito cativos muitos outros. O Governador de Moçambique, Baltazar Pereira do Lago* só em Agosto é que consegue reunir forças de retaliação, conjugando o auxílio de outros chefes macuas, inimigos do Morla que o vencem. Em 1783 opera-se nova investida portuguesa, ajudados de novo pelos xecados de Sancul e Quitangonha, contra as forças do Morla, vencendo-o de novo e obrigando-o a abrir o caminho às caravanas jáuas que traziam escravos para os portos daqueles xecados e a reconhecer a soberania portuguesa. Mas foi sol de pouca dura a vassalagem, pois no início do século XIX os portugueses, mais uma vez auxiliados pelo Xeque de Quitangonha, intervieram novamente contra o Morla. Em 1811 desencadeiam-se novas campanhas portuguesas contra os chefes macuas, tendo-se utilizado, pela primeira vez, artilharia nestas operações. De todas estas campanhas militares, em que se confrontaram forças dos portugueses, dos xecados e dos morlas e maurussas, pela consolidação e domínio das rotas do lucrativo tráfico negreiro vindos do longínquo interior moçambicano, os macua-lomuès foram as principais vítimas. Muitas destas populações, pacíficos agricultores e artesãos, foram vítimas dos interesses económicos esclavagistas que orientavam a política dos jáuas, dos portugueses, dos xeques, dos maurussas e dos morlas, acabando capturados nas suas terras do interior, vendidos nos portos e exportados, sem retorno, para longínquas paragens. No findar do século XIX e durante as duas primeiras décadas do século XX, povos macuas e islamizados darão luta sem quartel à lenta penetração portuguesa, numa amálgama de alianças e desuniões, consoante os seus próprios interesses económicos e autonómicos.
 
Machamba - Herdade, quinta agrícola.
 
Machambeiro Agricultor.
 
Matonice – Terminologia que, na zona sul de Moçambique, se referia a uma febre que atacava as pessoas e que podia ser mortal, passadas algumas horas, caso não fosse aplicado a tempo o remédio, que era um vomitório amargoso preparado na base da maceração de raízes. 
 
Moçambique, Povos de - O mapa etnográfico moçambicano apresenta-se, numa maneira simplificada e, caminhando de sul para norte,  dividido em dez grupos, que se podem estabelecer do seguinte modo: A)- Angune - zona de Maputo e subdividem-se em zulus, swazis e angunes; B)- Tonga - entre os rios Maputo e Save e subdividem-se em rongas, changanas e tongas, entre outros; C)- Chona - zona de Manica e Sofala, entre os rios Save e Búzi, e subdividem-se em barués, machanganas, vandaus e manicas; D)- Chope - parte oriental de Gaza e Inhambane, desde o rio Limpopo até Inhambane e subdividem-se em bitongas, valengues e macambanas; E)- Grupo do Zambeze - espalhados ao longo do rio Zambeze, subdividem-se em tauaras, borores, chuabos, senas, maganjas; F)- Marave - localizado na área de Tete, subdividem-se, entre outros, em nianjas, maganjas, zimbas e chenas; G)- Macua Lomué - enquadrados na actual província de Moçambique e parte da Zambézia e Cabo Delgado, é o grupo mais numeroso do País, subdividindo-se, entre outros, em macuas, lomués, metos, tacuanes e maones; H)- Ajaua - zona do Niassa; I)- Maconde - zona de Cabo Delgado, no planalto, e subdividem-se em macondes, vandondes, matambués e mueras; J)- Swahilí - zona litoral norte, desde o Rovuma ao Zambeze.
 
Mogincual, Baixos do – Conjunto de recifes fronteiros à localidade com o mesmo nome, a cerca de setenta quilómetros a sul da ilha de Moçambique*.
 
Monções - Ventos alísios do oceano Índico que se alternam na costa litoral norte de Moçambique. Entre os meses de Outubro e Março sopra a monção do nordeste, trazendo os ventos húmidos do mar. Entre Abril e Setembro sopra a monção de sudoeste trazendo os ventos secos do sul.
 
Mocaranga – Área geográfica que abarcava, na generalidade, o planalto da Rodésia do Sul**, correspondendo à Matabelândia e Machonalândia, entre-os-rios Zambeze, a Norte e Limpopo, a Sul. Era nesta região que se situava o Reino do Monomotapa*.
 
Régulo -  Chefe tribal. Figura topo na hierarquia de uma tribo, tinha a função, entre outras, de defender a unidade do povo, decidir a localização dos povoados, estabelecer acordos com outras tribos, administrar justiça, tributar impostos, multas e taxas, distribuir terras aos seus súbditos, bem como zelar pelas famílias e terras dos ausentes e, muitas vezes, decidir e conduzir a guerra contra outras tribos. Com a implantação da administração colonial, as suas prerrogativas não foram mexidas, desde que não ferissem os interesses portugueses, sobrepondo-se estes ao direito tradicional sempre que houvesse conflito. A manutenção das prerrogativas dos régulos, por parte da administração colonial, desde que eles se submetem ao seu interesse, prendeu-se com o facto de trazer menores custos financeiros ao erário público, por não ter que instalar funcionários nessas zonas bem como evitava de terem que construir repartições e mobilá-las, como também eles, os régulos, serviam de tampão moderador às reivindicações das populações, assumindo o papel odioso que, doutra maneira, teria que ser assumido pela administração. A fim de melhor aliciarem os régulos para o seu lado, muitas vezes a administração colonial promoveu novas prerrogativas aos mesmos, tais como atribuindo-lhes um salário e dando-lhes títulos honoríficos. Em troca, os régulos demonstravam a sua lealdade para com os portugueses, recrutando homens das suas povoações para trabalharem nas obras públicas, no chibalo* e no Exército, como carregadores*, colaborando na cobrança do imposto de palhota* e informando sobre a circulação de estranhos nas suas zonas tendo-se, deste modo, muitos destes régulos perdido o seu prestígio ancestral junto das populações, para se tornarem meras figuras decorativas do poder colonial.
 
Ibn-Madjid, Ahmad - (1437(?) - ? - Chihabaddin Ahmad Ibn-Madjid Ibn-Muhammad Ibn-Um´allak As-As´id Ibn-Abu Raka´ib Na-Nadjdi) - Piloto náutico. Não se sabem as datas quer do seu nascimento quer do seu falecimento. Terá nascido por volta de 1437, sendo natural da cidade omanita de Djulfar. Foi considerado um dos maiores pilotos árabes do século XV, sendo profundo conhecedor das rotas marítimas do Oceano Índico. Passou, também, à História como podendo ter sido, eventualmente, o piloto árabe que conduziu as naus de Vasco da Gama*, desde Melinde até Calecute, na sua primeira viagem marítima para a Índia, em 1498, se bem que esta tese já tivesse sido refutada por múltiplos historiadores actuais. Para além de piloto de craveira excepcional, não esgotou nesta arte o seu legado para a posteridade, pois deixou inúmeras obras escritas sobre a arte da marinhagem, quer em prosa quer em poesia, abordando diversas áreas do conhecimento humano da época, desde a geografia, astronomia, história e navegação. Das várias obras que escreveu e sobreviveram até ao presente contam-se três Roteiros em forma de poesia, sendo um deles o Roteiro de Sofala, com dados úteis sobre as bases da ciência marítima.
 
Sofala, Roteiro de Longo poema de cerca de setecentos versos, escrito por Ahmad Ibn-Madjid, no qual o autor tece inúmeros considerandos técnicos sobre a arte de navegar no oceano Índico até à região de Sofala, abrangendo astronomia: (... se vires Na´ch (estrela polar) a cinco dedos segue-a; que admirável abrigo!) / ... /)  ventos e marés: (... enquanto aquele que se dirige para Zanzibar dominando o vento e a corrente / a sua monção é aquela que sopra já os setenta dias de Niruz (calendário solar iraniano) no começo da viagem e no dia 80 entrará no porto / Mas não pode entrar ali o navegador que se dirige no dia 90 senão nos anos excepcionais /.../),  uso dos instrumentos de navegação: (... se vires que as medidas do kiias (aparelho para medir a altura das estrelas) são ultrapassadas segue para Ocidente sem medo /... /) bem como numerosos conselhos de prudência: ( ... se vires muitos pássaros salvadores, aproxima-te com prudência da terra, gozarás de alegria / cada navegador que vai governando uma embarcação conhece a corrente e sabe observar / conhece muitos géneros de ... pássaros, peixes e cobras, oh meu ajudante! / Se partires das terras de Dabul segue as minhas descrições, aceita a minha palavra /.../).  Iniciando o poema com louvores a Allah (Deus) e explicação do mesmo: (Em nome de Allah, bom, misericordioso. Louvor a Allah, Senhor dos mundos. Reza e paz sobre Muhamad (Mahomed, o profeta) a sua descendência e os seus companheiros. Esta “urdjuza” (poema) chama-se “urdjuza” de Sofala. A sua significação é o ensino das correntes e das medições astronómicas de Malabar ...... e daqui para as regiões litorais Zandj, terra de Sofala, Kumr (Madagáscar) e suas ilhas, das coisas raras relativas a todas as ciências /..../... Faz-se a descrição dos fenómenos extraordinários neste caminho, relativos às medições, às regiões da Terra, às correntes, aos habitantes destas terras, aos seus soberanos e às monções../); desenrola, de seguida todo um manancial de informações quer de carácter técnico, como atrás foi referido e apenas muito ao de leve, bem como fornece descrições sobre Sofala e o seu porto como ponto terminal do negócio do Reino do Monomotapa: (... Mas perto de Sofala a terra é arenosa. Navega para aí / Para Sofala e os sinais que a fazem reconhecer e não te consumas no desejo de entrar, sendo perto dela.../ ...Enquanto à época de saída de Sofala, fá-lo em 170 dias, sem duvidar / Antes e depois disso sabes: são as mais belas monções./ Diante de Sofala, cuidado,  - o vento kus (monção sul) resfria e detrás erigem estes rochedos. / ... No concernente a Sofala – pertence ao povo Muna-Musavi (Monomotapa) e o nome do seu régulo é Zabanvi / é aqui que se encontram as minas de ouro – sê informado .../ ... Tudo isto te explico para que saibas/ Enquanto a Sofala é o porto donde se exporta o ouro puro e além...../); naufrágios portugueses: (... Foi aqui (em Sofala) que tropeçaram os Francos que tiveram confiança na monção, .../ A onda precipitou-se sobre eles, destes rochedos de Sofala, revolvendo-se ao lado contrário / E os mastros mergulhavam na água e os navios ficavam debaixo da água, oh meu irmão! / Viram alguns a afogarem-se – conhece assim o que é a monção desta terra! / ..../); bem como uma chegada dos mesmos à ilha de Moçambique (... Conduzem o piloto para vastos desertos – reconhecerá que navega orgulhoso para Mulbaini / Aqui é conduzido para Muçabidji (ilha de Moçambique), Ali encontram descanso dos seus cuidados / Durante um mês, mais ou menos, continuaram eles (os portugueses) na sua peregrinação pelos baixios de pérolas,... /); bem como considerações históricas sobre a chegada dos mesmos: (...Chegaram a Calecute..../ Ali vendiam e compravam e tinham poder, subornavam os samorins e oprimiam a gente /Com eles chegou o ódio ao Islão / E a gente teve medo e angústia / E a terra dos samorins foi arrancada da de Meca e o Guardafui  (cabo) foi vedado aos viajantes! / .).

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* - Já aberta ficha
** - A abrir ficha posteriormente

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VELHAS HISTÓRIA E LENDAS ANTIGAS

 
Kimpa Vita / Dona Beatriz do Congo – (Reino do Congo (1), 1682/84 – Reino do Congo, 1706) – Quando os portugueses atingiram os territórios do Reino do Congo, as suas relações iniciais com as gentes locais foram, inicialmente, pacíficas e frutuosas para ambas as partes. Em 1491, em Mbanza Congo (capital do Reino) (2), o cristianismo foi bem aceite e o próprio Manicongo (3) deixou-se baptizar, adoptando o nome cristão de João (4). O seu filho e sucessor, Afonso, não só seguiu as pegadas do pai como as ampliou quando assumiu a liderança do Reino, em 1507. Foi ele que rebaptizou a capital para São Salvador, bem como autorizou a construção de igrejas católicas, deixou europeizar o seu povo, bem como abriu uma escoa para raparigas, com freiras a liderar a mesma instituição. Por detrás de tanto fervor religioso havia uma confusão na real cabeça entre cristianismo e consolidação de poder pessoal.



Mas todas as medalhas têm um reverso e o relacionamento amistoso entre os portugueses e os gentios do Congo não tardou a toldar-se, numa tragédia chamada de escravatura. A necessidade sempre crescente de escravos e a ganância desmesurada pelo lucro fácil e rápido que o tráfico negreiro inculcava, levou a que se invertesse uma situação inexistente no Reino do Manicongo: não havia escravos, o que havia era, em certas situações, uma relação de servidão por causa de dívidas e nada mais do que isso.
 
É o próprio Rei Afonso que desencadeia guerras aos povos vizinhos para capturar gentios que vende aos portugueses, nomeadamente aos missionários que depois os revendiam para serem exportados para o Brasil. O comércio da escravatura levará à ruptura da paz que imperava na região, quer do Manicongo quer nos reinos vizinhos. Em 1566 as forças do Manicongo Diogo (filho e sucessor de Afonso) são derrotadas e este acaba morto na contenda. O seu sucessor herda um reino tão fraco de recursos e gentes que acaba sendo conquistado pelos jagas, canibais andarilhos (5).
 
A miséria instala-se no Reino do Manicongo, e o que outrora fora um Reino próspero e pacífico agora era um mar de ruínas, com as populações reduzidas à miséria, desertificada humanamente pelo comércio negreiro e governada em muitas partes pelos canibais jagas. A luta pelo poder na corte de São Salvador acentuava-se e os candidatos digladiavam-se entre si, enfraquecendo ainda mais o ténue poder do Manicongo. “As notícias provenientes do Congo são cada vez piores e as inimizades entre as casas reais estão a dividir o País cada vez mais. De momento existem quatro reis no Congo. Há também dois grão-duques da Mamba; três grão-duques de Ovambo; dois grão-duques em Batta e quatro marqueses em Enchus. A autoridade de cada um deles é cada vez menor e estão a destruir-se mutuamente, em consequência das guerras entre eles. Todos querem ser chefes. Lançam ataques contra o território dos outros de modo a roubar e a vender os seus prisioneiros, como se fossem animais…” escrevia, em 1701, Laurent de Lucques, um frade capuchinho.
 
Fruto de toda esta desordem económica, desorientação social e desprestígio da classe reinante, começaram a aparecer como cogumelos, diversos visionários que propalavam ao povo, ansioso pela volta dos felizes tempos do antigamente, visões que afirmavam ter tido e que vinham mandatados, bastas vezes, por Deus ou por santos católicos. Nesta época de medos e amarguras o povo reacendeu a chama do seu fervor religioso cristão misturado com animismo e deu voz e crença a muitos profetas e profetizas que falavam na promessa da vinda dos amanhãs radiosos, sob a bênção dos céus dos quais eles eram os seus porta-vozes, amanhãs esses que seriam idênticos aos felizes tempos dos reinados de João e Afonso. O cristianismo era o adoçante, o desespero das pessoas era a farinha e as falas das visões que afirmavam terem tido eram os ovos que, tudo misturado, dariam origem a todo uma massa de profetas da felicidade.
 
É no seio deste caos que surge, entre as várias vozes proféticas, uma mulher jovem de nome Kimpa Vita, uma nobre sacerdotisa que cresceu no meio da corte do Manicongo. Habituada que estava às jogados do poder e observadora do influência crescente que as profetisas iam tendo, quer no seio da população quer, também, no seio das camadas do poder, surge em certa altura a informar que, tendo estado doente e às portas da morte lhe havia aparecido Santo António, mas negro. Desenvolvendo o culto do “antonianismo” (a Santo António), estendendo a sua influência e ampliando desmesuradamente o seu fervor religioso, em determinada altura imitou a morte de Jesus Cristo, numa sexta-feira e ressuscitou no dia seguinte. Afirmou ter subido aos céus para defender a causa do povo e isso ainda lhe trouxe mais prestígio.
 
Difundiu a mensagem que o Reino devia de retornar aos gloriosos tempos do início quando a paz imperava sob a forte influência de Igreja Católica e que aos governantes era-lhes obrigado a restabelecer o Reino desse modo, no tempo em que a capital (São Salvador) fora a “cidade dos sinos”.



 
Os próprios padres católicos aproveitam-se da sua forte influência junto das populações e, em 1704, reconhecem-na como uma líder religiosa e política. Atinge, nesta altura, o seu apogeu e sente e saboreia o poder que emana das suas palavras. No entanto não medirá as consequências dos seus actos e, embriagada pelo suave e venenoso manto da sua ignorância para lidar com o poder, deixar-se-á arrastar para a sua perdição. Lentamente os padres, apercebendo-se do perigo que tal mulher poderá vir a representar, apesar de aparentemente estar do seu lado, temem o seu desmedido poder junto das massas. Assim vão-lhe estendendo o manto que cobrirá o caminho para a sua perdição, alimentando a fornalha da sua vaidade e a crença que é uma enviada de Deus.
 
Kimpa Vita, ou agora Dona Beatriz, sonha veleidades que só uma mente distorcida da realidade é que poderia penar que vingaria naqueles conturbados tempos. Devota intransigente de Santo António, ia de sonho em sonho, de premonição em premonição, de dogma em dogma, começando a africanizar demasiado para o gosto dos padres europeus a religião cristã. Afirmava que os brancos tinham sido feitos pelo Criador duma pedra banca, rolada e macia e os negros tinham sido emanados de fogueiras. Sonhava com uma nova liturgia, na qual o Congo seria a Terra Santa; a capital São Salvador era o local de nascimento de Jesus Cristo e as bases em que se assentavam os pressupostos do cristianismo tinham sido filosofados pelos africanos. Assim, a religião católica que tinha servido para facilitar a penetração europeia naquele Reino agora era subvertida e usada para virar as pessoas contra essa própria penetração. Incentivou os africanos a voltarem às suas vestes tradicionais abandonando os trajes europeus mas a gota de água que fez transbordar tudo foi a sua decisão de autorizar a poligamia.
 
A decisão de incentivar a poligamia foi apenas o pretexto que os portugueses quiseram utilizar para cortar de vez com as veleidades político-religiosas que Dona Beatriz, cujo poder centralizado na sua pessoa era desmesurado. Dela, o povo tudo acreditava e fantasiava, e tudo o que ela dissesse era sagrado. O Manicongo reinante era, na altura, D.Pedro IV, e contra ele erguiam-se rivais que tinham eleito um outro Manicongo. De poder enfraquecido carecia do auxílio dos portugueses para vencer os seus rivais e os portugueses insinuaram-lhe que Dona Beatriz apoiava o outro Manicongo.
 
O destino de Dona Beatriz ficou definitivamente traçado quando, na sua louca cavalgada para a africanização das histórias bíblicas, deu à luz uma criança (1706) e depois decretou que continuava virgem. Presa, por ordem do Manicongo, foi rapidamente julgada e condenada à morte na fogueira o que veio a suceder nesse mesmo ano. O frade capuchinho Laurent de Lucques referiu sobre este facto: “Dois homens com sinetas nas mãos dirigiram-se para o meio desta grande multidão e fizeram soar os sinos e imediatamente o povo recuou e, no meio do espaço vazio, apareceu o “basciamucano”, isto é o juiz. Envergavam da cabeça aos pés o manto negro e na cabeça tinham também um chapéu negro tão horrível como eu não supunha que pudesse existir. Os culpados foram levados à sua presença. A jovem, que levava os filhos nos braços, dava a sensação de estar cheia de medo e receio. Os acusados ficaram sentados o chão, aguardando a sua sentença de morte. Compreendemos que tinham decidido queimar a criança juntamente com a mãe. Pareceu-nos uma grande crueldade. Apressei-me a falar com o Rei para ver se havia alguma possibilidade de a salvar.…… O “basciamucano” fez um grande discurso. O tema principal foi o elogio do Rei. Enumerou os seus títulos e apresentou provas do seu interesse pela justiça. Finalmente pronunciou a sentença contra Dona Beatriz, afirmando que sob o falso nome de Santo António enganara o povo com as suas heresias e falsidades. Consequentemente, o Rei, seu Senhor e o Conselho Real condenavam-na a morrer na fogueira. A mulher fez tudo para se desdizer, mas os seus esforços foram em vão. Isto provocou grande tumulto entre a multidão, pelo que nos vimos impossibilitados de prestar qualquer assistência aos dois condenados. Tudo o que poderemos acrescentar é que havia um grande monte de lenha para o qual foram atirados. Cobriram-nos com outros pedaços de madeira e queimaram-nos vivos. Não satisfeitos com isto, na manhã seguinte, vieram alguns homens que queimaram os ossos restantes e reduziram tudo a cinza.
 
O culto popular por Dona Beatriz ainda se manteve para além da sua violenta morte, pois restos de pequenas ossadas suas eram consideradas relíquias. Nasciam lendas à volta do seu suplício que ainda mais alimentavam os sonhos dos “antonionistas” (cultores de Santo António, que era o Santo devoto de Dona Beatriz) até que uns dois anos mais tarde o Manicongo D.Pedro IV viu-se obrigado a batalhá-los e desbaratá-los, até que acabou por desaparecer nas brumas do tempo a influência e a lenda das histórias de Dona Beatriz. O Reino, que se estendia por ambas as margens do rio Zaire, por sua vez, também acabou por desaparecer nas brumas do tempo absorvido, pelos portugueses, na Colónia de Angola.

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(1) – Reino do Congo – Estado africano que abrangia, geograficamente, os actuais territórios do Norte de Angla (incluindo Cabinda), da República do Congo e parte da República Democrática do Congo. Fundado por Ntino Wene, teve uma existência nominal entre 1400 e 1914. Governado pelo Manicongo (monarca) estava dividico em nove províncias e três reinos, sendo habitado por vária setnias, mas onde predominavam os bakongos. A sua estrujtura económica assentava no comércio do sal, metais, tecidos e produtos animais, sendo descomnhecida a escravatura.





Os portugueses foram os primeiros europeus a atingirem este Reino, em 1483, na primeira expedição marítima de Diogo Cão que, penetrando pela foz do rio Zaire internou-se por este rio acima, durante 150 quilómetros, logrando atingir povoações ribeirinhas deste Reino. Foi no decurso desta sua primeira incursão pelo rio Zaire adentro que Diogo Cão deixou, para a posteridade, a inscrição nas “pedras e Ielala”*.

* Pedras de Ielala – Ielala é uma localidade fluvial do rio Zaire (actual rio Congo) que foi o ponto terminal onde as embarcações a remos de Diogo Cão chegaram, em 1483, quando pela primeira vez penetrou neste rio, no decurso da saga dos Descobrimentos Marítimos.




Nas pedras deixou gravada a seguinte inscrição: “Aqui chegaram os navios do esclarecido rei Dom Joam o Segundo de Portugal: Dº Camp Anes pª da Costa” Ao lado desta ficou outra inscrição gravada: “Álvaro Pires / Pêro Escobar / Antão / João Santiago / Diogo Álvares” e numa terceira inscrição figura o nome de “Diogo Álvares” seguido de desenho duma cruz e os dizeres “de doença” a simbolizar o seu falecimento. Estas mundialmente famosas inscrições podem ser vistas, em réplica, no Museu de Marinha, em Lisboa.

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(2) Mbanza Congo – Localizada no Norte de Angola significa “Cidade do Congo” e era a capital do Reino. Os portugueses quando lá chegaram renomearam-na como São Salvador do Congo. Após a independência do território retomou o seu ancestral nome.
 
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(3) Manicongo – Título real dos governantes do Reino do Congo. Também podia ser referido como “Mwene Kongo”.
 
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(4) Cristianismo – O cristianismo, na sua vertente Católica de obediência a Roma e que era a religião professada pelos portugueses, teve entrada fulminante no Reino do Congo, tendo sido recebida de braços abertos pelso gentios de todas as camadas. Aliás logo na primeira incursão fluvial de Diogo Cão pelo rio Zaire adentro (onde chegou até Ielala) trouxe, no regresso ao Reino três embaixadores do Rei do Congo, tendo um deles sido baptizado em Portugal adoptando o nome cristão de João da Silva.

Na sua segunda viagem ao Reino do Congo, a Armada de Diogo Cão levava padres católicos que logo começaram a pregar a fé. O Manicongo e toda a corte não só adoptou de imediato a nova religião como também os usos e costumes europeus, nomeadamente em títulos e trajes. O povo tornou-se também adepto do catolicismo, mas bastas vezes misturando estes ritos religiosos com práticas animistas.

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(5) Jagas – Nome atribuído pelos portugueses a grupos nómadas de africanos parasitários que, recusando a sedentarização, vagabundeavam pelos territórios vivendo da rapina e das violências que perpetravam sobre as populações. A fama da prática do canibalismo que lhes era atribuída permitia-lhes lançar um terror psicológico sobre as populações que pretendiam devassar. Não cultivavam a terra e viviam em permanente estado de guerra. A liderança jaga não era hereditária mas sim por escolha entre os guerreiros mais ousados. As mulheres não podiam nem parir nem criar os filhos nos quilombos*, sob pena de morte. O recrutamento forçado de jovens nas tribos vencidas faziam engrossar os seus exércitos, reservando às mulheres, velhos e crianças a sua venda como escravos ou a morte.




Fernão de Sousa, que governou Angola entre 1624/1630, relata, num seu relatório, sobre os jaga o seguinte: “As guerras de Angola não são todas justas e, quando o são, nem por isso são justamente cativas as peças de escravos que se tomam nelas, por não concorrerem os requisitos necessários para serem bem cativas. As que fazem aos jagas são justíssimas porque é gente ímpia, inimiga comum, feroz e diabólica: porque não lavram, nem semeiam, nem procuram posteridade, porque somente tratam dos que são soldados e todos os mais comem e têm açougues públicos de carne humana e os que não comem os vendem. Andam sempre vagando e tudo assolam e queimam, sem deixar coisa viva; são grandes traidores, toda a sua guerra é por manha porque não têm plavra”.

 

Uma das pessoas que conviveu com os jagas durante 18 meses foi o aventureiro Andrew Battel** que deles (e não só) fez mais tarde um relato circunstanciado que foi publicado em livro, da autoria de Samuel Purchas, com o título “The strange adventures of Andrew Batell of Leigh, in Angola and the adjoining regions” pode ser consultado, em suporte de e-book, no sítio: http://www.archive.org/stream/strangeadventure00battrich; bem como também em: http://www.erbzine.com/mag18/battell.htm. Das diversas consultas que se podem fazer na internet sobre os jagas destaco entre elas e muito pela positiva, a subordinada ao título “Os jagas de Angola”, com a datação de 2/3/2009 e que se pesquisa em: http://www.arlindo-correia.com/02032009.html.


* Quilombo – Termo das regiões angolanas que se referiam aos lugares de repouso das gentes nómadas ou que estivessem de passagem e, mais tarde, a sua interpretação estendeu-se para os locais de paragens de caravanas comerciais e, por associação, grandes centros de reunião de escravos. Com a exportação de escravos angolanos para o Brasil, este vocábulo entrou na terminologia luso-brasileira, como centros comunitários de escravos em fuga e onde se organizavam para fazerem face e darem luta às perseguições que eram vítimas pelos seus proprietários.

** Andrew Battel – (Leigh (Essex Inglaterra), 1565 – Leigh, 1614) – Aventureiro inglês que, em Abril de 1589 navega sob o comando do capitão Abraham Coock, para o Rio de La Plata, ma América do Sul. Aqui chegados no Outono desse mesmo ano são obrigados, por intempéries, Andrew Battel e alguns companheiros de infortúnio a rumarem para o Brasil onde caem às mãos de nativos que os entregam às autoridades portuguesas. Posto a ferros é deportado para Angola. Neste território anda de prisão em prisão mas também cai nas boas graças das autoridades portuguesas, que o leva a percorrer as regiões do Reino do Congo. Torna-se negociante e participa em incursões militares portuguesas contra povos do Norte da actual Angola. Continua a negociar ao longo da costa norte angolana até que acaba aprisionado pelos jagas, com quem vive durante dezoito meses. Depois evade-se e atinge Massangano, um posto militar português. Ainda fica por térreas angolanas durante mais uns três anos aproximadamente, após o que retorna à terra Pátria, dezoito anos depois de a ter deixado onde, mais tarde, faz um relato circunstanciado sobre a sua vida aventureira a Samuel Purchas, que se encarrega de escrever o livro, pois Andrew Battel era analfabeto. Este livro é o que acima se encontra referido.

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UMA PERSONALIDADE PARA A ETERNIDADE


Com a entrada do mês de Dezembro aproxima-se, a passos largos, a quadra natalícia. É uma quadra cujo evento comemora, para os cristãos, o nascimento de Jesus Cristo e, para a restante Humanidade civilizada e tolerante, é uma data que simboliza a festa da família.
 
Por ser uma data marcadamente cristã (e em Portugal o cristianismo surge com forte incidência na comunidade católica apostólica romana), aproveito a mesma para lembrar uma personalidade que professou o catolicismo e que catalogo toda a sua vida como uma lenda: Agnes Gonxha Bpojaxhiu e que passou à História universalmente conhecida como Madre Teresa de Calcutá.

Nascida na Macedónia sendo filha de pais albaneses (Skopje*, 26/08/1910), então território sob domínio do Império Turco-Otomano, morreu indiana (Calcutá, 05/09/1997) mas, na realidade, ela foi uma verdadeira Cidadã do Mundo.

 


Fervorosa católica desde muito cedo, acabou por entrar numa congregação religiosa que a enviou para a Índia, a sua verdadeira Pátria. Aqui desenvolveu uma verdadeira obra de apoio aos humildes, sem precedentes. Conseguindo conquistar a confiança doutras comunidades religiosas (hindu, muçulmana e budista, entre várias) que viam e aceitavam a sua obra meritória, não só se relacionava com estas como recebia donativos delas, acabando por criar a sua própria congregação, a das Irmãs da Caridade.

Madre Teresa foi uma mulher excepcional que se bateu sempre, mas sempre, até ao fim da sua vida, pelos humilhados, pelos ofendidos, pelos abandonados, pelos moribundos e ousou desafiar quem se atravessasse à sua frente. Aquele frágil corpo, seco e magro, mas dotado dum gigantismo espiritual, percorria as ruas de Calcutá a recolher os moribundos, as crianças e mulheres abandonadas e sujeitas a todos os tipos de sevícias, as vítimas de doenças altamente estigmatizadas pela sociedade tal como o AIDS, os flagelados pela fome, os atingidos pela solidão, enfim toda uma casta humana que tinha, socialmente, atingido o nível do chão e já não tinham forças para se levantarem.

Viveu frugalmente e tudo o que ganhou internacionalmente reverteu para a obra da sua congregação, tendo sido laureada com vários prémios, incluindo o Nobel da Paz (1979). O Governo indiano (de cariz maioritariamente hindu) honrou esta católica, não só em vida como também na sua morte, ao determinar luto nacional e funeral com honras de Estado. Milhões de seres humanos seguiram, em directo, o percurso final do seu féretro pelas muitas cadeias televisivas, tendo ficado sepulta na sua cidade amada: Calcutá.

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O exemplo de vida de Madre Teresa envergonhou todos os teóricos políticos, desde os defensores do comunismo ao capitalismo, sociais-democratas e todas as outras correntes afins. Enquanto eles teorizavam, ela fazia.
 
Envergonhou toda a cúpula da Igreja Católica (e de todas as outras Igrejas) que vivem no fausto, nos excessos e no conforto, onde se debruçam em concílios, bulas e ecumenismos. Enquanto eles teorizavam, ela fazia.
 
Envergonhou todos os teóricos economistas defensores de diversas correntes de aplicação de bens como forma de criarem riqueza às populações. Enquanto eles teorizavam, ela fazia.
 
Envergonhou-nos a todos nós os que, sentados no conforto das nossas casas, enquanto comíamos as nossas refeições e víamos televisivamente a fome a grassar por esse mundo, apenas nos ocorria dizer: “coitados”. Enquanto nos apiedávamos estupidamente, ela fazia.
 
Madre Teresa foi uma das verdadeiras intérpretes da mensagem do cristianismo, na sua essência pura: “repartir uma manta com quem tem frio, repartir um pão com quem tem fome, repartir uma carícia com quem sofre”. Onde os gritos mudos dos humilhados e ofendidos não chegavam aos palácios dos poderosos políticos e dos religiosos, esses silêncio ensurdecedores chegavam ao edifício de Madre Teresa.
 
Podemos não concordar com diversos aspectos que ela defendia (eu próprio não aceito determinados pensamentos da mesma) mas a verdade é que a respeito profundamente e considero-a uma Personalidade para a Eternidade.
 
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* - Skopje é, actualmente, a capital da República da Macedónia. A Macedónia, que fazia parte da ex-República da Jugoslávia, declarou a sua independência depois da implosão desta, em 1991, tendo sido reconhecida internacionalmente dois anos mais tarde.

Nota: Abundam, no mercado, livros sobre a vida e pensamento desta missionária, bem como filmes. Na internet (bendita net), basta “googlar” que se entra em inúmeros sítios que falam sobre a mesma. Por isso não pretendi aqui biografá-la mas apenas, publicamente, prestar a minha singela homenagem.
 

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LEITURAS EM PROSA

 
A História (com H grande) da descolonização portuguesa ainda está por se fazer. Não seremos nós, que a vivemos na íntegra fosse qual fosse o lado da barreira onde nos colocámos (ou fomos colocados), que escalpelizaremos com sangue frio este período da nossa Historia. Penso mesmo que não serão os nossos filhos quem irão escrever, em definitivo, o relato do que se passou. Porque estão contaminados pelas histórias que ouviram dos pais. Serão os nossos netos os iniciáticos historiadores frios e concisos que, escudados na lonjura do tempo já decorrido e com os nossos corpos já a vogarem na Grande Grande Viagem, quem irão colocar os pontos nos “ii” desta saga lusitana que, penso, terá sido a nossa última grande emigração forçada pelos ventos da História.
 
Mas até os nossos netos historiarem as nossas vidas descolonizadas, importa deixar-lhes todo um acervo documental para eles poderem escalpelizar, no remanso das bibliotecas. Por isso é importante que todos – mas todos nós – escrevamos para a posteridade (ou bronze da História, numa expressão feliz que ouvi de Adriano Moreira) o que foi este período das nossas vidas. Em livros, em entrevistas, na blogosfera, em reportagem televisivas, ou simples gravações áudio, tudo será importante.
 
Quase quatro décadas depois da descolonização felizmente abundam os mais variados tipos de suportes informativos desde testemunhos directos (nomeadamente na blogosfera), reportagens jornalísticas, romances, poesia, reportagens televisivas, músicas, filmes (ainda que incipientes), compêndios de História, ensaios políticos e históricos, enfim, toda uma panóplia documental que certamente farão as delícias dos nossos futuros historiadores.
 
Ainda bem. Há que não ter medo de escrever. Não importa o jeito se pouco romanesco, se mais rebuscado, se emotivo. O importante será todos nós legarmos aos nossos netos os nossos testemunhos. Para que eles possam, no meio de toda essa documentação, escalpelizarem os textos e escreverem a verdadeira História.
 
Hoje, fugindo à habitual leitura de romances, refiro dois livros que acabei de ler e que apreciei bastante, abordando ambos a temática da descolonização. Ambos escritos por Rita Garcia, em estilo de narrativa jornalística (é esta a formação académica e profissional da Autora, pelo que leio na badana), têm ambos uma estrutura comum alternando a experiência de vivências pessoais com factos históricos, ou seja, inteligentemente, a Autora intercala a história individual com a história colectiva e assim se percorre a leitura de ambos os livros, apercebendo-nos como as decisões individuais são sempre coarctadas e contrariadas por decisões de poderes bastas vezes instalados a milhares de quilómetros de distância.
 
Ambos os livros estão bem documentados, escritos numa linguagem bastante acessível e nada cansativa, com uma boa esquadria no tocante ao intercalar das histórias de pessoas ou famílias com decisões políticas tomadas ao mais alto nível. Dois livros que, para os apaixonados pela História desta época, são de leitura aliciante. A mim, por exemplo, a leitura dos mesmos não só me refrescou a memória como me trouxe elementos novos que desconhecia e, também, fez-me questionar um pouco determinadas ideias que tinha como pré-definidas. Só por isso valeu a pena o preço que paguei por eles.
 

Título: S.O.S. Angola
Subtítulo: Os dias da ponte aérea
Autora: Rita Garcia
Editora: Oficina do Livro    Ano: 2011     Págs.: 253    Género: Narrativa jornalística/ histórica

 


Uma excelente abordagem duma odisseia que, penso, dificilmente hoje se tornaria possível. É um apaixonante relato tão desapaixonado quanto possível dos quatro loucos meses, que mediaram entre Julho de Novembro de 1975, no qual cerca de 200 mil pessoas foram evacuadas, via aérea de Angola para Portugal.
 
Um relato apaixonante da luta contra-relógio que meia dúzia de indivíduos travaram contra os poderes de Lisboa, estes mais preocupados com o que se passava na “metrópole” do que com o destino de milhares de famílias apanhadas no fogo cruzado e cego da guerra civil que se instalara em Angola.
 
E este livro tem outro mérito: entre os que ousaram lutar contra a inércia e incompetência dos governos e dos políticos de Lisboa, sobressai o nome dum gigante desta epopeia, a quem eu aqui, singelamente presto a minha homenagem: o General António Gonçalves Ribeiro, que passará à História como o Pai da Ponte Aérea. Dezenas e dezenas de milhares de portugueses, indirectamente, devem-lhe a vida.
 

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Título: Os que vieram de África
Subtítulo: O drama da nova vida das famílias chegadas do Ultramar           
Autora: Rita Garcia
Editora: Oficina do Livro   Ano:  2012    Págs.: 270   Género: narrativa jornalística / histórica


 

Mantendo o mesmo ritmo e estilo de escrita do seu anterior livro (SOS Angola) e, certamente com aproveitamento de toda uma fonte de conhecimentos que foi adquirindo na escrita do mesmo, Rita Garcia ousou (e conseguiu), nesta obra, abordar duma forma ternurenta e violenta como se processou a integração, em Portugal, de meio milhão de pessoas vindas das colónias, os chamados “retornados”.
 
Vindos de climas tropicais, de horizontes mais abertos que lhes abriam as mentes, apanhados no meio da loucura cega dos interveniente da descolonização, para quem os destinos e as vidas das pessoas pouco importavam, meio milhão de pessoas rumaram para Portugal, a maioria delas sem um cêntimo (tostão na altura), sem rede familiar, desconhecendo a geografia do território e sofrendo, bastas vezes, o preconceito dos que cá estavam e que receavam os que chegavam.
 
O legado final dos ditos “retornados” acabou por se saldar positivamente. Detentores de melhores qualificações académicas e profissionais, demonstrando iniciativa empresarial e espírito aberto a novas iniciativas tipicamente africanas, deram o seu contributo na mudança da face do País para melhor, trazendo um modo de ser e estar na vida mais aberto, colorindo a então sociedade metropolitana, acinzentada por décadas de ditadura, através da gastronomia, vestuário, diversificações religiosas, comportamentos sexuais, entre outros.
 
Sem cairmos na glorificação do “retornado” mas não diabolizando o mesmo, é aceite pacificamente, hoje em dia, que essa mole humana que invadiu o País, na sua generalidade, acabou por trazer, a este mesmo País, uma mais valia. O que também não foi favor nenhum. Hoje, o termo “retornado”, pertence ao passado. Poucos foram os que regressaram aos seus territórios da juventude. Mais uns quantos foram lá em viagens de férias, para matar a saudade das terras que tinham cheiros perfumaceamente olorentos, cores polícromas e sons timbilarmente característicos. Mas África acabou-se-lhes aí.
 
E aos seus filhos África nada lhes diz, a não ser por uma questão de emigração. Para o bem e para o mal, a Europa tornou-se no seu futuro novo País.

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Título: Histórias de África e outras histórias
Subtítulo:
Autor: Artur de Figueiredo Nunes
Editora: Edição de Autor    Ano: 2004     Págs.: 534    Género:  Autobiografia


Ora aqui está um excelente exemplo do que acima defendi sobre a nossa responsabilidade de escrevermos para a memória futura. O Autor deste livro rumou para Moçambique em 1945, como geólogo, tendo este sido o território que eventualmente mais o marcou na sua vida ao longo dos 25 anos que lá viveu. Ao longo das páginas do livro, de escrita escorreita e leitura agradável, o mesmo relata o seu testemunho vivencial do que foi África, recheando-o de pormenores que, se estivermos atentos aos mesmos dão-nos, em pinceladas de tonalidades diversas, todo um manancial de informações de como se vivia naqueles idos tempos que foram áureos para o colonialismo. Para além da sua vivência colonial, relata ainda a sua jornada por várias partidas do Mundo, nomeadamente outros territórios e países africanos.


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Título: Famintos
Subtítulo:
Autor: Luís Romano
Editora: Ulmeiro   Ano: 1983    Págs.:  369  Género: Narrativa

 
Esse livro é um marco na literatura cabo-verdiana. As suas páginas são uma denúncia virulenta e violenta, inconformista, satírica e demolidora da sociedade colonial decrépita e demagógica. Nos personagens aí retratados vemos a dor, a fome, a injustiça, a desumanidade que sofre e se abate nas populações vencidas, seja sob a forma dum chicote, duma violação ou duma penhora. Misturando diversos géneros literários, neste livro vamos encontrar poesia, lirismo, lendas, narrativas pessoais, contos, enfim, toda uma panóplia de escritas diversificada mas que lhe dão uma riqueza literária fabulosa. Um livro espantoso (que adquiri por meia dúzia de patacas numa feira de livros) e que vou reler.

 
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Título: Revoltas escravas
Subtítulo: Mistificações e mal-entendidos
Autor: João Pedro Marques
Editora: Guerra e Paz    Ano: 2006     Págs.: 130    Género:  Ensaio histórico

 

 
Um livro que tenta desmistificar determinados paradigmas que se inculcaram nas nossas mentes sobre o esclavagismo, nas suas diversas vertentes. A teoria das fronteiras do Bons (os africanos) e do Maus (os europeus) muitas vezes não bate certo com o que na realidade se passou. Numa análise serena, escudada na craveira intelectual do Autor (que sabe do que escreve), e sem querer branquear o tráfico negreiro, este livro leva-nos a percorrer os caminhos do negócio de, com e para seres humanos, mas demonstrando que muitos dos que nós atribuímos como vítimas não o foram tanto assim, bem como muitas das revoltas dos escravos não tinham por fim a sua liberdade e a reconquista dos seus direitos mas apenas o fim de, uma vez livres, recriarem eles próprios os seus negócios de esclavagismos, caçando, para venda, elementos doutras etnias. Um livro a ler e a meditar, porque já vai sendo tempo das nossas demagogias políticas darem lugar aos rigores da investigação histórica.

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LEITURAS EM POESIA


Enviaram-me há tempos um belíssimo poema cuja autoria atribuíam a Vladimir Maiakovski*, do qual reproduzo de seguida.

 


 

Ora este poema fez-me lembrar uma frase de Joseph Goebels, que foi Ministro da Propaganda nazi, o qual afirmava: “Uma mentira repetida inúmeras vezes torna-se verdade.” E é o que tem acontecido com este poema. Tantas vezes foi propalada a sua autoria, erroneamente atribuída a Vladimir Maiakovski, que hoje em dia toda a gente aceita isso como pacífico.

O verdadeiro autor do poema chama-se Eduardo Alves da Costa, natural de Niteró (Rio de Janeiro), onde nasceu a 06/03/1936. Poeta fecundo, com mais de uma vintena de obras publicadas, escreveu o poema acima referido com o título “No caminho, com Maiakovski em 1964 e o mesmo era um libelo acusatório que o poeta fazia à Ditadura Militar que estava instalada no Brasil.

 
 

Segundo o próprio Autor, o inicio da confusão deu-se quando, na década de 70 do século passado, o psiquiatra Roberto Freire reproduziu o poema num livro seu, atribuindo a Maiakovsky a autoria e colocando Eduardo Costa como tradutor do poema. Depois a internet ajudou a propalar a ideia errónea. Terá sido a utilização do nome do poeta russo no título do poema a causa que levou à confusão que se gerou e, ainda hoje, este poema político lido por milhões de pessoas, passa como sendo do poeta russo.
 
Reproduzo, de seguida, o poema completo pois, o que circula na net, principalmente em “mails” é apenas uma parte do mesmo:


No caminho, com Maiakovski

 
Assim como a criança
Humildemente afaga
A imagem do herói,
Assim me aproximo de ti, Maiakovski.
Não importa o que me possa acontecer
Por andar ombro a ombro
Com um poeta soviético.
Lendo os teus versos,
Aprendi a ter coragem.
 
Tu sabes,
Conheces melhor do que eu
A velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
E roubam uma flor
Do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
Pisam as flores,
Matam o nosso cão,
E não dizemos nada.
Até que um dia,
O mais frágil deles
Entra sozinho em nossa casa,
Rouba-nos a luz e,
Conhecendo o nosso medo,
Arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

No dias que correm
 A ninguém é dado
Repousar a cabeça
Alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
E nós, que não temos pacto algum
Com os senhores do mundo
Por temor nos calamos.
No silêncio do meu quarto
A ousadia afogueia-me as faces
E eu fantasio um levante;
Mas amanhã, diante do juiz,
Talvez os meus lábios
Calem a verdade
Como um foco de germes
Capaz de me destruir.

Olho ao redor
E o que vejo
E acabo de repetir
São mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
E a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
Pela gola do paletó
À porta do templo
E pedem-me que aguarde
Até que a Democracia
Se digne aparecer ao balcão.
Mas eu sei,
Porque não estou amedrontado
Aponto de cegar, que ela tem uma espada
A espetar-lhe as costelas
E o riso que nos mostra
É uma ténue cortina
Lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
E não os vemos ao nosso lado,
No plantio.
Mas ao tempo da colheita
Lá estarão
E acabam por nos roubar
Até ao último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
Mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
Defender os nossos lares
Mas se nos rebelamos contra a opressão
É sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo
  Por temor aceito a condição
De falso democrata
E rotulo os meus gestos
Com a palavra Liberdade
Procurando, num sorriso,
Esconder a minha dor
Diante dos meus superiores.
Mas dentro de mim
Com a potência de um milhão de vozes
O coração grita: Mentira!

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* - Vladimir Vladimirovitch Maiakovski – (1893 – 1930) – Desde jovem abraçou a causa socialista revolucionária, lutando contra o regime do czarismo. Várias vezes detido acabou por cumprir onze meses de prisão. Após a vitória da Revolução de Outubro, que acabou por implementar o comunismo na Rússia e a criação da União das Repúblicas Soviéticas Socialistas, aderiu a este regime e a ele se dedicou de alma e coração. Considerado um dos maiores poetas do regime soviético, terminou voluntariamente com a sua vida, havendo quem atribua a esta sua decisão extremista o facto das autoridades soviéticas terem desencadeado perseguições políticas a intelectuais afectos ao regime, tentando docilizá-los.

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MÚSICA
 

Miriam Makeba – (Zenzile Miriam Makeba; Joanesburgo, 04/03/2008 – Campania (Itali), 10/11/2008) – Miriam Makeba, que passou à história como “Mama Africa” foi uma cantora sul-africana que iniciou a sua actividade no seu País natal, a partir de 1954.

 
 

Seis anos mais tarde, aquando da exibição do documentário “Come Back, Africa”, em Veneza onde, para além de ter participado também esteve presente, as autoridades do apartheid impedem o seu regresso a território sul-africano.



 

Vai viver para Londres, onde se cruza com Harry Belafonte, músico e activista dos direitos civis norte-americano, que lhe presta todo o apoio para a mesma penetrar mo mercado estadunidense. Em 1963 o Governo sul-africano retira-lhe a nacionalidade, tornando-a apátrida, por a mesma ter testemunhado contra o regime rácico do seu País nas Nações Unidas.

 

Casa-se com o activista político norte-americano Stokely Carmichael, um dos mentores dos Black Panters e o casal sofre dissabores em terras do Tio Sam, fruto da activiadde pol+itica do seu marido. Face a isso mudam-se para a República da Guiné Conacry, onde o Presidente Sekou Touré lhes dá todo o apoio.

 

 Zulu Song

Participa nas cerimónias da independência de Moçambique (1975) onde recria o célebre grito da FRELIMO "A luta continua".






Dez anos mais tarde, muda-se para a Bélgica. Com a queda do apartheid, finalmente retorna ao seu País, onde é acolhida ao mais alto nível. Em 09 de Novembro de 2008, no decurso duma actuação em Itália, sofre um ataque cardíaco no palco que calou a sua voz para sempre. Morre na madrugada do dia seguinte.


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FILME

 

Título:  Vénus Negra (Vénus Noire)
Produtor:                            Realizador: Abedellatif Kechiche
Actores: Yahina Torres, Abdre Jacobs, Olivier Gourmet
Ano: 2009    Género: Drama / Biográfico   Duração: 160 minutos

 

 
 

Um excelente filme que relata a trágica vida de Saartjie Baartman, conhecida pela “Vénus Negra” ou “Vénus Hotentote”, durante a sua estadia em Londres e Paris, onde viria a falecer. Os planos, o guarda-roupas, os diálogos, a caracterização das personagens, enfim tudo feito e filmado com cuidado e ao pormenor, numa reconstituição histórica do percurso desta mulher que, devido à especificidade das suas características físicas foi levada da Colónia do Cabo para a Grã-Bretanha e França, a  fim de ser exibida como uma aberração sexual e selvagem. Um filme cujo visionamento recomendo.

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Dados biográficos de Saartjie Baartman – (Cabo, 1789 (?) – Paris, 29/12/1815 ou 01/01/1816) – Também conhecida por “Vénus Hotentote”, foi uma das mais famosas (por motivos lamentáveis) mulheres negras da actual África do Sul. De etnia khoisan, nasceu na actual Província do Cabo Oriental, em Gamtoos Valley, tendo acompanhado a sua família quando esta se mudou para perto da colónia do Cabo. Serviu como criada de agricultores bóeres até que foi vista por um cirurgião naval britânico, de nome William Dunlop, o qual, impressionado pela sua estiopetagia, a convenceu a ir para a Grã-Bretanha onde, a troco de exibir as suas volumosas nádegas, ficaria rica. Autorizada por Lorde Caledon, Governador do Cabo, a realizar tal viagem, ruma para Londres com o seu empresário, o qual a exibe despudoradamente em feiras e circos, com o epíteto de “besta selvagem” e onde, a troco de dinheiro, a assistência tinha direito a apalpar-lhe as suas partes sexuais, já que os seus lábios vaginais também eram bastante desenvolvidos.




Depois de explorada até mais não e face às críticas da opinião pública britânica, que começou a insurgir-se contra tal espectáculo degradante, acaba por mudar de mãos e é vendida a um treinador de animais que a leva para Paris onde, novamente, acaba por ser exibida nua em público. O anatomista francês Georges Cuvier observa-a, com intentos científicos, tal como outros médicos, mas ninguém interfere na defesa da sua condição humana. Vem a morrer nesta cidade, só, abandonada, alcoólica e doente. Após o seu passamento é autopsiada por Henri de Blainville, que publica o relatório em 1816 e, no ano seguinte, por Georges Cuvier - “Memórias do Museu de História Natural”. Mesmo depois de morta não lhe deram descanso e o seu esqueleto, juntamente com o cérebro e órgãos genitais foram conservados e postos em exibição no Museu do Homem, em Paris, até 1985, altura em que foi retirada depois do paleontólogo e professor universitário norte-americano Stephan Jay Gould ter publicado “The Hotentot Vénus / O sorriso do flamingo”. Após a ascensão de Nelson Mandela à Presidência sul-africana, este requereu junto dos governantes de Paris a entrega das ossadas de Saartjie Baartman, tendo a sua pressão resultado positiva conseguindo que a França a devolvesse à sua terra natal onde, finalmente, teve um fim digno dum ser humano, acabando sepulta na sua aldeia natal em 03 de Maio de 2002. Sendo desconhecido o seu verdadeiro nome refira-se que Saartjie é, em africânder, diminutivo de Sara, pelo que significa “Pequena Sara” e Baartman seria o apelido da família bóer onde a mesma trabalhava quando foi descoberta.


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FOTOGRAFIA

 
 


Na revista semanal “Sábado” nº 447, saída a público a 22/11/2012, lê-se uma reportagem (fls. 92/93) sobre esta fotografia mundialmente famosa. E, contrariamente ao que julgava, fiquei a saber que a mesma não se reportava a um grupo de trabalhadores a conviverem calmamente a centenas de metros das ruas nova-iorquinas, numa viga da construção do Empire State Building, mas que o mesmos estavam a poucos metros dum dos andares que estavam a construir no Rockefeller Center.
 
O enquadramento da fotografia, feita por Charles C. Ebbets em 1932, é que nos leva, erroneamente, a pensar que aqueles trabalhadores são loucos ao descansarem perigosamente numa viga a centenas de metros do solo e sem qualquer sistema de protecção.


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LIVRO:

Título: De uma Angola de antigamente
Subtítulo: Fotos recolhidas e legendadas (evocação ilustrada)
Autor: Inácio Rebelo de Andrade
Editora: Colibri    Ano: 2010    Págs.: 190   Género:  Fotografias




O autor reuniu neste livro, depois de colhidas da internet e compiladas no seu blogue, um acervo de 82 fotografias, legendando as mesmas com o seu cunho pessoal. Um modo de viajar pelo passado.


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PINTURA


Augusto Trigo – (Bolama, 17/10/1938) – Pintor, ilustrador e autor de banda desenhada. Vem para Lisboa aos sete anos de idade tornando-se casapiano, local onde efectua os seus estudos até 1957. Nesse ano e até ao seu regresso à Guiné-Bissau, no ano seguinte, trabalha na área da publicidade, como ilustrador.

 


Na Guiné-Bissau emprega-se como desenhador de cartografia e, nos seus tempos livres, entrega-se à pintura. Expõe as suas aguarelas e óleos em 1964, pela primeira vez e, no ano seguinte, realiza a sua segunda exposição, sempre na capital Bissau.

 

1977
 
 
Em 1966 expõe pela primeira vez em Lisboa e quando se dá a independência do território deixa-se ficar por lá, até 1979 altura em que regressa a Portugal definitivamente, onde se lança na arte da banda desenhada.



A casa do estivador

Para além de inúmeros trabalhos publicados de histórias e contos na área da banda desenhada também tem diversificado a sua actividade artística noutras actividades tal como, por exemplo, em ilustrações de livros escolares.

 

 

 Etnias da Guiné

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ESCULTURA


Alberto Chissano – (Manjacaze, 25/02/1935* – Matola, 19/02/1994) – Um dos mais famosos escultores moçambicanos. Antes de se lançar no mundo das artes exerceu diversos misteres básicos para sobreviver, tais como pastor de cabras enquanto criança, criado e cozinheiro na capital laurentina como adolescente, e trabalhador de minas na África do Sul já homem, o que não lhe permitiu ter mais que uns rudimentares estudos primários.

 
 

Fortemente influenciado pela sua avó (curandeira) acaba, nos anos 60, por se iniciar na arte de esculpir madeira, aos 30 anos, por influência e apadrinhamento da Malangatena Valente, por muitos considerado o Papa da pintura moçambicana. Por vezes, mas poucas, o ferro e a pedra também lhe serviram de molde para os seus saberes. Foi depois de ter cumprido serviço militar que se empregou como servente numa associação artística em Lourenço Marques, conhecida pelo “Núcleo de Arte”.

 
Sem título

Expôs pela primeira vez em Portugal em 1974. Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkien, no início da década de 80, acabou por criar a Fundação Alberto Chissano, na Matola, local onde viria a morrer de forma voluntária. Na sua obra escultórica estão patentes as dores de Humanidade, nomeadamente, a fome, o sofrimento, a tristeza, a solidão, estados de almas estes que foram seus companheiros permanentes durante grande parte da sua vida.

 
Sem título

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* - Outras fontes consultadas apontam como tendo nascido em Janeiro de 1934.

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GASTRONOMIA

 
Timor, a lendária ilha crocoldilo, tem estado, desde sempre, arredado deste blogue. Não que isso faça algum falta àquele País ou às suas gentes ou o facto de eu escrevinhar algo sobre aquele País torne-o mais interessante ou rico (tenho consciência disso). Mas, de qualquer modo volta não volta vou começar a incluir aspectos daquele País nesta minha escrevinharia (já calculo os timorenses a lamentarem-se: “estamos tramado agora com este”). De qualquer modo inicio-me com uma receita típica da culinária maubere. Porque a gastronomia também é um acto de cultura.

Tukir (1)

 
É um prato tipicamente obrigatório na mesa das festas familiares (casamentos, baptizados, finais de luto (os “coremetans”). O “tukir” pode ser feito de vários tipos de carnes mas a do cabrito é a vianda mais popularizada.

Também o método tradicional para a confecção do mesmo – envolto em tronco de bambu sendo assado sobre brasas durante horas, o que lhe dá um sabor exótico – é incompatível nas cidades. Assim substituem-se a cana de bambu por um tacho de barro (2) e as brasas duma fogueira pelo fogão.


Tukir de cabrito, assado na
brasa e dentro de bambu
 
A confecção deste prato é morosa pois, para o mesmo atingir o apuramento que nos dá uma boa degustação, carece de ser feito em lume muito brando mesmo. Por isso, nada de o fazerem se não tiverem, pelo menos, umas duas horas do vosso tempo.

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Ingredientes

2 kgs. de cabrito
500 gramas de miúdos de cabrito
2/4 pés de erva-príncipe (frescos, de preferência e não secos)
Meia dúzia de folhas novas de limoeiro
Sumo de 2 limões
10 dentes de alho pisados
4 cebolas grandes
1 gengibre
1 colher de sopa rasa de açafrão
100 gramas de tamarindo, que se dilui num copo de água morna
1 declitro de óleo
Sal e pimenta qb

Confecção

A. Parte-se o cabrito em pedaços pequenos, assim como os miúdos (3). Tempera-se com cebola, alho, gengibre e açafrão, sal e pimenta, sumo do limão, óleo e o tamarindo diluído.
B. Deixa-se marinar o preparado durante cerca de uma hora, devidamente tapado.
C. Vai ao lume. Depois de cerca de 30 minutos a tomar o gosto, junta-se a erva do príncipe (4), partida em bocados grandes (5).
D. Coze-se em lume brando com o tacho coberto, deixando-se apurar durante bastante tempo, até que o cabrito fique tão tenro que não careça de faca para ser cortado.
E. Serve-se quente acompanhado de arroz branco.



Notas

1. Tukir, em tétum significa: “assar em bambu”.
2. Pessoalmente não gosto de usar acessórios de barro simples na feitura de cozinhados, devido ao teor de chumbo que os meoms transportam na sua confecção e que, segundo me informaram (vendo o peixe ao mesmo preço que o comprei) o chumbo (que é potencialmente cancerígeno) passa para os alimentos. Assim, ou uso um barro vidrado (que me dizem que isola o referido chumbo) ou então o pirex, sendo este último, para mim, o método mais seguro.
3. No receituário original juntam-se também as tripas do animal que for utilizado na feitura.
4. Apesar de ser originária da Índia, abunda em muitas regiões portuguesas (e no resto do mundo).
5. Não se deve cortar à faca a erva, mas sim parti-la com as mãos. Esta especiaria deve ser usada, no fabrico deste prato, preferencialmente fresca, devendo-se evitar as que são comercializadas já secas.


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PORQUE SÓ HÁ UM PLANETA

 

 

A defesa da biodiversidade é um imperativo para todos nós. Há que lutar, sem tréguas, contra a destruição do património florestal e animal. Não se acobarde. Denuncie situações de violência contra os animais junto das autoridades competentes, participe activamente nas associações ambientais da sua região ou passivamente, dando um contributo monetário mensal. Por pouco que seja, gota a gota, criaremos um ribeiro, de ribeiro a ribeiro, faremos um rio.

 

 
Nenhum ser humano parou e demonstrou
ter a coragem deste cão. Espantoso.
 
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EFEMÉRIDE
 

Passa no próximo dia 01 de Dezembro o trigésimo aniversário do falecimento de Jorge Jardim, que foi uma das personalidades mais marcantes na vida colonial moçambicana na segunda metade do século XX.
 
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Jorge Jardim – (Lisboa, 13/11/1920 - Libreville, 01/12/1982 - Jorge Pereira Jardim.) - Engenheiro agrónomo,  empresário, diplomata e aventureiro. Politicamente íntimo de Oliveira Salazar*, de quem era um fiel servidor foi, como seu homem de confiança, que desempenhou várias missões de cariz diplomático e de recolha de informações militares como, por exemplo, na queda do Estado da Índia, no deflagrar da guerra nacionalista em Angola, na turbulência da independência do Congo Belga e na crise do assalto ao navio Santa Maria, tudo isto ocorrido em 1961.

 
 

Estabelecido, desde os inícios da década de cinquenta em Moçambique, na cidade da Beira, foi deputado pelo território na Assembleia Nacional e Cônsul do Malawi*. Em relação a este País, para além de Cônsul, Jorge Jardim tinha uma relação muito próxima com o Presidente Hastings Banda*, sendo também seu conselheiro pessoal tendo, inclusive, colaborado na elaboração da Constituição Política malaviana, aquando da sua independência, em 1964. Foi também, por seu intermédio, que o Oliveira Salazar recebeu Hastings Banda, em Lisboa.
 
Ainda em relação ao Malawi, superintendeu a “Operação Friendship”, que consistiu na anulação de uma eventual sublevação contra Hastings Banda, tendo para tal sido destacada uma pequena força militar portuguesa para o território daquele País. O seu relacionamento privilegiado com as autoridades políticas do Malawi, foi uma das portas que permitiu a Jorge Jardim vir a relacionar-se, depois, com as autoridades zambianas e a consequente aproximação a Kenneth Kaunda*.
 
Comprometido, inicialmente, no projecto político da portugalidade de Moçambique, de quem era um defensor acérrimo, após a ascensão de Marcelo Caetano* ao poder, em substituição de Oliveira Salazar e com o evoluir da guerra nacionalista a pender para o lado da FRELIMO*, começa a questionar essa mesma portugalidade, o que, a par de contactos primordiais que mantinha com lideres zambianos, malavianos, rodesianos e sul-africanos, leva-o a amadurecer e a apresentar um projecto pessoal independentista para Moçambique, numa tónica neo-colonial, o que o fez entrar em ruptura com o poder central de Lisboa. Apresenta, a 11 de Setembro de 1973, aos zambianos o Programa de Lusaka, que se poderá considerar uma alternativa charneira entre a política imobilista portuguesa e o programa revolucionário da FRELIMO.
 
Em Janeiro de 1974, sempre com base no seu Programa de Lusaca, tenta acelerar uma eventual secessão do território moçambicano, efectuando múltiplos contactos e tentativas de aliciamento para a sua causa com diversas personalidades quer ligadas ao regime português, quer oposicionistas liberais, sonhando com uma declaração unilateral de independência de Moçambique, decalcada na maneira rodesiana. No entanto, nas vésperas de tomar essa decisão, foi apanhado pelo golpe de estado militar do 25 de Abril de 1974*, em Lisboa, que lhe fez gorar os planos. Investigou, por sua conta, o massacre de Wiryamu* e financiou projectos de contra-guerrilha - Grupos Especiais*. Na sequência da revolução de 25 de Abril de 1974 refugia-se na embaixada do Malawi, em Lisboa, onde o novo poder revolucionário o mantém sob vigilância, para o prender caso saísse da mesma, mas consegue iludir a vigilância e evadir-se para o estrangeiro.
 
Acabando por se fixar no Gabão, onde recebeu protecção política das mais altas autoridades desse País, aí veio a falecer vitimado por um ataque cardíaco.
 
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A vida aventureira e as actividades secretas de Jorge Jardim, quer pilotando um avião, quer envergando farda militar, quer disfarçado de indiano, por exemplo, têm dado origem a inúmeras histórias sobre o mesmo, umas verdadeiras, outras não, tentando colá-lo à imagem dum James Bond. A sua ida a Goa, por exemplo, após a perca daquele território por força da invasão militar indiana, foi lendária por ter conseguido trazer, sub-repticiamente dois quadros a óleo de dois Vice-Reis portugueses que estavam no Palácio do Hidalcão. No entanto, noutros objectivos, não terá tido tanto êxito.
 
Aquando da independência do Congo e no estalar a guerra civil, estando a comunidade portuguesa a ser fustigada, liderou a ponte aérea que resgatou os portugueses, a partir do aeroporto de Leopoldeville durante três das e três noites. Voltou por diversas vezes ao Congo, aos comandos do seu avião e duma das vezes acabou aprisionado por soldados congoleses. Foi salvo do fuzilamento por terem visto a fotografia da sua numerosa prole. E muitas outras histórias sobre o mesmo se poderia relatar.
 
Foi uma das personalidades mais marcantes da vida colonial de Moçambique, da segunda metade do século XX, tendo deixado um cunho pessoal bem vincado no território. Conheceu, lidou e conviveu com as principais personalidades políticas, militares e de serviços secretos da África Austral. “Medo” era uma palavra que não constava no seu dicionário. “Temerário”, essa sim, pelo que adorava viver no fio da navalha.
 
Faltou-lhe a percepção dos novos ventos da História, que não se compadeciam com derivações políticas. Aqueles eram tempos de ruptura frontal com o passado colonial, na óptica da FRELIMO, pelo que soluções intermédias e paternalistas, como o Programa de Lusaka, nunca seria de colocar em cima da mesa de negociações. Jorge Jardim não se apercebeu disso e tentou moldar o futuro de Moçambique a seu modo.
 
O seu passado colonial, o seu enfeudamento aos Grupos Especiais, a sua íntima ligação a Oliveira Salazar (um dos grandes mentores do colonialismo puro e duro), as suas amizades a Ian Smith* e Hastings Banda* (entre muitas outras), tudo nele tornavam-no, aos olhos da FRELIMO, a pessoa menos indicada para negociar o que quer que fosse. Utilizando a diplomacia zambiana a seu favor, deram-lhe linha de alto mar e Jorge Jardim, sem se aperceber que mordera o anzol embalou-se por esse mar de traições fora. Malquisto com o poder de Lisboa que via no Programa de Lusaka um acto de traição à Pátria, nunca bem quisto com os mais que prováveis vencedores do conflito bélico (a FRELIMO), quando se apercebeu que estava sozinho no terreno, apanhado de surpresa pelo eclodir do golpe militar do 15 de Abril de 1974, Jorge Jardim sentiu que o Moçambique que sonhara (aspirando mesmo a uma futura Presidência territorial), qual cavalo que ele domara afinal continuava selvagem e a querer seguir o seu próprio rumo.
 
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Programa de Lusaca (1) – Declaração datada de 12 de Setembro de 1973 elaborado por Jorge Jardim e com o acordo tácito de Kenneth Kaunda*, Presidente da Zâmbia*, com vista a preparar a independência do território de Moçambique. Dotado de conceitos neocoloniais, nunca foi aceite pela FRELIMO*, já que na leitura do mesmo se denotava um manifesto interesse em Portugal manter a sua influência predominante num Moçambique independente. Tem a seguinte redacção: ESTRUTURA PARA A INDEPENDÊNCIA: O Governo Português está obviamente preocupado acerca da preservação dos seus interesses nacionais nos territórios africanos de Portugal. Deve “inter alia” preocupar-se com o tipo de ligações que permitiriam a Portugal manter a sua influência nos novos territórios independentes. O Governo da Zâmbia tem a consciência desta preocupação e está, portanto, procurando colaborar na preparação de uma estrutura que proteja e garanta os interesses portugueses. O Governo da Zâmbia está preparado, desde que tenha o acordo do lado português, para obter as garantias dos dirigentes nacionalistas acerca do futuro dos interesses de Portugal. Com este objectivo deve ser considerado o seguinte: 1. Relações Políticas: a) os territórios independentes perseguirão uma tendência não racial na construção das novas nações e os nacionais portugueses que ali têm vivido há séculos encontrarão uma melhor situação do que aquela que têm agora;  b) a segurança dos nacionais portugueses apenas pode ser apropriadamente garantida através de um programa de integração nacional sob condições de harmonia racial e cooperação, sem conflito ou guerra, sendo a actual guerra um obstáculo para se alcançarem estes objectivos; c)  as relações diplomáticas entre os novos territórios independentes e Portugal assegurarão contactos mais efectivos e produtivos, bem como mútuo apoio na base da igualdade e respeito recíprocas; d) estabelecimento de uma Comunidade Lusíada, compreendendo os antigos territórios portugueses incluindo o Brasil. Uma associação destas, na qual Portugal teria uma posição dominante, desenvolver-se-ia como melhor organização do que a “Commonwealth” que a Grã-Bretanha instaurou. A política britânica-rodesiana-sul africana conjuntamente com a visão racista de alguns nacionais britânicos, nas antigas colónias britânicas, ensombraram a imagem da Grã-Bretanha e reduziram a sua influência, sobretudo em África; e) a administração dos novos territórios independentes será grandemente influenciada por Portugal no futuro previsível. Durante este período os nacionais portugueses serão capazes de criar um maior grau de confiança na governação das novas nações independentes, agora sob controlo português. 2. Relações Culturais: o Governo da Zâmbia está ciente do orgulho português na sua cultura Lusíada. É convicção do Governo da Zâmbia de que a independência dos territórios africanos portugueses não significará o fim da influência cultural portuguesa mas, ao contrário, o início da expansão do campo da cultura lusa, em dignidade e respeito. A) o português permanecerá como Língua Franca nos novos territórios independentes; b) a educação será predominantemente portuguesa com professores portugueses; c) cooperação técnica com experiência e pessoal portugueses; d) a influência portuguesa na vida social e cultural permanecerá durante longo tempo; e) as condições religiosas serão influenciadas pelo passado português. 3: Relações Económicas: a conservação dos interesses económicos portugueses é fundamental em qualquer acordo para conceder a independência aos territórios africanos portugueses. O Governo da Zâmbia está ciente de que qualquer estrutura para a independência deveria garantir ao Governo Português que os seus interesses económicos serão protegidos. a) comércio; b) investimentos; c) assistência técnica; d) acordo económico e de cooperação técnica. 4: Relações Militares: o Governo da Zâmbia reconhece que a Defesa é um campo muito melindroso. O Governo Português quererá, sem dúvida, estar seguro de que a independência política não conduzirá, por exemplo, a que uma potência comunista preencha o vácuo. A preservação dos territórios portugueses será assunto de interesse para o Ocidente em geral. Segundo o Governo da Zâmbia estes aspectos são negociáveis com os dirigentes nacionalistas e não serão um obstáculo para um acordo final sobre a independência. 5: Oportunidade Para A Independência: deve ser negociada logo que a estrutura para a independência esteja traçada. 6: Factores Externos Que Devem ser Arredados Da Situação Portuguesa: a) envolvimento da África do Sul; b) envolvimento da Rodésia; c) envolvimento das grandes potências. Estes podem complicar as negociações ou as medidas tomadas para pôr fim à guerra. Interesses Nacionais Portugueses: 1: Interesses políticos e de segurança: fundamentalmente referimo-nos ao bem-estar dos nacionais portugueses na era “post-independência”. O novo sistema político para os novos países independentes deverá assegurar a protecção para todos os moçambicanos e promover o seu bem-estar, sem consideração de raça, cor, credo ou origem étnica. De particular importância para o Governo Português é o futuro de uma grande população de origem portuguesa. 2: Influência Política: Portugal deseja, sem dúvida, ter uma influência dominante nos novos países independentes e não desejaria ver o crescimento de qualquer outra influência prejudicial para os interesses portugueses nos seus antigos territórios. 3: Interesses Económicos e Financeiros: Portugal desejaria, sem dúvida, ver que o comércio, os investimentos e outros interesses económicos sejam completamente desenvolvidos nos seus antigos territórios em seu favor e não em favor de qualquer outra potência. 4: Interesses Culturais: conservação da cultura lusa. 5: Defesa: os novos países independentes deveriam, no ponto de vista do Governo Português, manter uma atitude quanto à Defesa que pelo menos não fosse anti-portuguesa. A estrutura para a conservação e progresso de todos estes interesses nacionais é, no conhecimento do Governo da Zâmbia, negociável. Os chefes nacionalistas estão determinados por um sentimento de responsabilidade moral para com Portugal e os seus interesses e estariam preparados para encontrar uma solução amigável em todos estes aspectos. Lusaca, 12.09.1973.”

(1) – Não confundir com o Acordo de Lusaca* que foi subscrito no ano seguinte entre a FRELIMO e as autoridades portuguesas e que regulou a condução do caminho político para a autonomia e independência de Moçambique.
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Nota: As palavras assinaladas com asterisco (*) serão objecto de fichas mais tarde, quer na História de Moçambique Colonial quer na de outros países da África Austral

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LEITURAS:

Título: Moçambique, terra queimada
Subtítulo:
Autor: Jorge Jardim
Editora: Intervenção   Ano: 1976    Págs.: 416   Género:  Autobiografia

 
 

Para além de ensaios sobre a sua actividade profissional, Jorge Jardim escreveu um livro autobiográfico, de memórias sobre a sua vida africana e que aborda, essencialmente, desde a sua chegada àquele território até à sua intervenção no processo de autonomia e descolonização do território. É o famoso Moçambique, terra queimada”, que considero de leitura obrigatória para quem se quiser documentar sobre aquela época. 

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Título: Rodésia, o escândalo das sanções
Subtítulo:
Autor: Jorge Jardim
Editora: Intervenção     Ano:  1978   Págs.:  287   Género: Ensaio político


 

Outro livro escrito também por ele é o Rodésia, o escândalo das sançõesum ensaio político em que se debruça sobre o problema do bloqueio que a Grã-Bretanha impôs à Rodésia quando esta declarou a UDI (declaração unilateral de independência) e onde, logicamente, Jorge Jardim toma partido favorável pela Rodésia de Ian Smith.
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Título: Jorge Jardim, agente secreto
Subtítulo:
Autor: José Feire Antunes
Editora: Betrand   Ano: 1996     Págs.: 654    Género:  Biografia


 

A melhor biografia que já se escreveu sobre Jorge Jardim é sem dúvida Jorge Jardim: agente secreto da autoria de José Freire Antunes, uma obra da qual eu recomendo vivamente a sua leitura. Para quem quiser saber, de Jorge Jardim, o que foi a sua vida aventurosa, o seu pensamento político, a sua relação com algumas das personalidades poderosas da África Austral, a luta desesperada para tentar recuperar o tempo perdido num caminhar inexorável para a independência territorial é, sem dúvida, o melhor livro que já se escreveu sobre a vida de Jorge Jardim e toda a sua envolvência. Como, aliás, é timbre do rigor em José Freire Antunes, um dos meus historiadores favoritos. Pena foi que tivesse enveredado pela política. Mas isso são contas doutro rosário.

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DECLARAÇÃO DE INTERESSES

 
O texto acima reproduzido foi escrito em desacordo com o Novo Acordo Ortográfico.

 


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Todas as referências constantes na presente mensagem e que se reportem a livros, fotografias, documentários, filmes, músicas; empresas comerciais, industriais ou de qualquer outro género; associações humanitárias, de defesa ambiental, animal ou florestal; bem como nomes de pessoas, são incompatíveis com intuitos publicitários de carácter comercial ou que envolvam qualquer outro tipo de permuta material ou benesse pessoal para o Autor deste blogue.



 

Reflectem, apenas e tão-somente, a opinião do Autor que, assim, se mantém livre e soberano do seu pensamento.

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Todas as fotografias, documentários e filmes constantes na presente mensagem foram colhidos do Google Imagens e do Youtube. Deste modo, a sua utilização não pressupõe a concordância dos Autores dos mesmos com as opiniões constantes nos textos onde estejam inseridos.

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 Iupiiiiii. Acabei. E vou de férias.

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