"O Mundo não é uma herança dos nossos pais, mas um empréstimo que pedimos aos nossos filhos" (Autor desconhecido)

domingo, 15 de julho de 2012

Alexine Tinne




AVENTUREIROS, EXPLORADORES E VIAJANTES


Alexandrine (Alexine) Petronella Francina Tinne - (Haia, 17/10/1835 - Sahara, 01/08/1969) - Viajante e exploradora. Filha dum abastado comerciante (Phillipe Frederik Tinne) e duma baronesa (Henriette van Capellen) tornou-se aos oito anos de idade, após a morte do seu pai ocorrida em Roma no decurso dumas férias familiares, detentora duma herança que a tornou numa das pessoas mais ricas do seu País natal. Na sua formação de criança para mulher estudou com os melhores professores da época, viajou por Paris e Londres, aprendendo a dominar correctamente as línguas destes países bem como tornou-se numa pianista talentosa, numa pintora de mérito e numa apaixonada pela fotografia. Herda do pai, que antes vivera em Suriname onde tinha explorações de açúcar, o espírito da aventura e da mãe, com sangue familiar na Casa Real Holandesa, o gosto pela cultura e pelo fausto.



Alexine Tine


Rica, jovem, culta, talentosa e já tendo viajado pelos principais centos urbanos europeus, tudo apontava para que Alexine Tinne vivesse uma longa vida burguesa entre festas infindáveis e viagens intermináveis. Mas, aos 21 anos (1856), viaja com a sua mãe pela Europa e, de seguida, em Veneza rumam para Alexandria, no Egipto, onde têm oportunidade de verem, no terreno, a grandeza do que fora a civilização milenar daquele País, com o legado de pedra (e não só) aí visível - a grandeza das pirâmides, das estátuas, dos palácios, o artesanato - bem como a paixão pelo ainda misterioso e majestoso rio Nilo, despertam, em Alexine Tinne, a sede e a fome pelas viagens caldeadas pela aventura e não pela certeza do fastio e monotonia das viagem na Europa. Esta ida ao Egipto e a decisão de mergulhar no emocionante mundo da exploração de terras desconhecidas acabou por se tornar na sua "estrada de Damasco", onde teve a sua epifania.



Outro dos grandes desafios da época prendia-se com a descoberta das nascentes do rio Nilo e sucessivas missões exploratórias europeias desencadeavam-se pois quem lograsse descobrir tal ponto de partida aquático atingiria a glória de ascender ao panteão dos heróis da exploração. Alexine Tinne, tendo como aliados poderosos a sua mãe e a sua enorme fortuna pessoal, esta jovem prendada, que podia ter tido o mundo a seus pés, troca a segurança, a frescura e a cultura dos salões europeus pela instabilidade, pelo calor tórrido e pela barbárie do interior africano, na busca insane da nascente nilótica. 




Imagem romântica do rio Nilo


Durante dois anos, Alexime Tinne e a sua mãe estabelecem a sua base no Cairo, onde se hospedam no mítico Hotel Shepheards, ponto de confluência de todos os grandes e pequenos exploradores europeus da época. O Egipto (com o Cairo à cabeça) era, na época, a "Casa Grande" da penetração europeia para o interior africano, utilizando a auto-estrada fluvial que era o rio Nilo, rio este que todos sabiam onde desaguava mas que ainda ninguém sabia onde nascia.



Neste período de dois anos, as duas Tinne (mãe e filha) viajam por todo o Médio Oriente, navegam no Nilo e convivem no hotel cairota com exploradores aventureiros. Ao descerem o Nilo atingem Assuão e excursionam até ao Mar Vermelho. Durante meses sobem e descem o Nilo em barcos de luxo que alugam para seu prazer privativo, pintando, lendo e tocando piano entre taças de champanhe servidas por uma corte de criados de libré. Juntando o útil ao agradável, viajavam no meio do fausto. Fausto este do qual nunca se apartaram. Toda a Palestina, Síria, Líbano (de Beirute a Damasco e a Jerusalém) são percorridas calmamente por estas duas viajantes, devidamente escoltadas por guias e guardas pagos principescamente, formando uma caravana luxuosa. O dinheiro não lhes faltava e às Tinne não se lhe podiam assacar a anátema de sovinas. Retornam a Haia em Setembro de 1857, onde são recebidas como heroínas pois, apesar de viajarem como toda a segurança possível, a verdade é que as duas mulheres tinham vagueado por territórios considerados inóspitos e perigosos.



Tendo estalado, em 1858, na Real Sociedade de Geografia de Londres, a polémica entre os exploradores John Specke e Richard Burton sobre a localização geográfica da nascente do rio Nilo, que levou John Specke, em 1860, a uma segunda viagem exploratória ao continente africano (desta vez acompanhado por James Grant), este assunto tornou-se um dos grandes temas das preocupações europeias. Alexine Tinne, cujo gosto por viagens era inquestionável e que já tinha navegado pelo rio Nilo, resolveu subir um patamar na escala das emoções da sua vida e passar de viajante a exploradora, pelo que decidiu retornar ao Egipto, tão do seu agrado e preparar uma expedição pelo Nilo abaixo, na busca da sua nascente. Morria a viajante e nascia a exploradora.



Tomada a decisão, um pouco a contra-gosto da sua mãe que acaba por se decidir a não abandonar a filha e, assim, também participar nesta odisseia empacotam, entre muitas coisas, malas com vestidos, adereços, sapatos, chapéus, luvas, roupas interiores e perfumaria, do mais requintado gosto europeu, uma biblioteca, um piano, mobílias, serviços de jantares em porcelana fina, faqueiros de prata, banheiras portáteis, um conjunto de máquinas fotográficas e uma câmara escura para revelação. Enfim, o super luxo inimaginável para ser transportado para terras inóspitas e desérticas do interior africano.


Às duas Tinne junta-se uma terceira, Adrian van Capelle, irmã solteira de Henriette van Capelle, que embarca no pressuposto que esta viagem a iria tirar da depressão em que vivia permanentemente. Erro trágico. Em Julho de 1860, partem de Amesterdão rumo a Marselha, as Tinne, acompanhadas de criados e aias, animais de estimação e um enorme conjunto de malões com os bens materiais acima referidos. De Amesterdão seguem de vapor até Alexandria e, daqui, vão de comboio para o Cairo. Ficam na capital egípcia o resto do ano, que preenchem com uma intensa actividade social  de tertúlias, concertos musicais e recepções faustosas, intercalada com cavalgadas pelo deserto. Ferdinand de Lesseps rende-se ao encanto das Tinne e convida-as a visitarem o canal de Suez, cujas obras de abertura estava a dirigir.



Canal de Suez, no século XIX




Nesta estadia, entre vários exploradores e aventureiros que chegavam e partiam do Cairo, travam conhecimento com o missionário alemão Johann Ludwig Krapf  que lhes recomenda uma estadia na corte de Négus abissínio Teodoro, de quem era amigo pessoal. Alexine Tinne acaba por recusar e decide partir para Cartum. Premonitoriamente, Henriette van Capelle escreverá, no dia anterior ao da partida para a aventura: "Esta é a nossa última noite no Cairo e Alexine tocou ao piano canções que provavelmente nunca mais iremos ouvir."



Partem do Cairo em 09 de Janeiro de 1862 e atingem Cartum três meses mais tarde. A excursão pelo Nilo abaixo fazia lembrar tudo menos uma viagem exploratória. Alugando vários barcos típicos daquele rio transportavam, para além da criadagem europeia e egípcia, toda a bagagem útil e inútil, para além de diversos tipos de animais onde se arrolavam uma multiplicidade de cães, cavalos, burros, gazelas e avestruzes, transformando o barco que levava os animais num sucedâneo recreativo da Arca de Noé. A viagem é extenuante e perigosa, em parte também devida às quedas de água que vão encontrando pelo caminho fluvial, o que impede as embarcações de navegarem normalmente. Há que contratar homens para arrastarem a pulso, os barcos, depois de descarregados das bagagens pesadas e dos animais. É uma luta titânica e dispendiosa, que faz a expedição avançar em câmara lenta. Henrietta van Capelle, que relutantemente aceitou a companhar a sua filha, escreverá: "Tenho de dizer que nunca vi nada tão terrível como a passagem destas cataratas. Evidentemente que nem os rio Reno nem os fiordes noruegueses se podem comparar com a dificuldade de arrastar um barco entre rochas e contra uma corrente extremamente forte."  Vencida a segunda catarata e reunida toda a  expedição na ilha nilótica de Philae, Alexine Tinne resolveu dar uma festa comemorativa de tal facto, onde os músicos e os bailarinos alegraram pela noite fora. Dias depois chegam a Korosko, onde abandonam os barcos e organiza-se uma caravana cameleira para atravessar o deserto núbio que ligaria as localidades sudanesas de Wadi Halfa a Abu Hamad. Mais de cem camelos, para além dos cavalos e burros, formam uma longa fila formigueira que atravessam o violento deserto núbio. Alexine Tinne contrata cameleiros, guias e um núbio (Sheik Amahd) para liderar a expedição, por o mesmo ser especialista nas travessias daquele deserto. Demoram dezoito dias a atravessarem o mesmo até que atingem Cartum, que as decepcionou. Habituadas à África mediterrânica e à vida social do Cairo, onde encontravam padrões de vida europeus, na pútrida Cartum deparam-se com "... o lugar mais miserável, mais imundo e doentio do mundo." (Henriette van Capelle). Acampam na periferia do burgo, na confluência do Nilo Branco com o Nilo Azul.







Em Cartum, último posto avançado onde ainda se podia encontrar algum resquício de civilização europeia residiriam, nessa altura, cerca de trinta europeus, onde apenas se arrolava uma mulher europeia, Khaterine Petherick, esposa do cônsul britânico John Petherick. A cidade assentava a sua economia nos pilares do comércio da escravatura e do marfim. Cartum, na época que as Tinne ali chegaram, seria o ponto de chegada dos exploradores John Specke e James Grant que, dois anos antes tinham saído de Zanzibar, na viagem exploratória para confirmarem as teses da descoberta das nascentes do rio Nilo e que, até ao momento, ainda nada se sabia deles.



É então que Alexine Tinne resolveu descer o Nilo para Sul, a ver se encontrava os dois exploradores britânicos. Fazendo-se surda aos alertas que a comunidade local europeia lhes fazia sobre o perigo de três mulheres brancas aventurarem-se por terras muito pouco conhecidas e frequentadas pelos europeus, a Sul do Sudão, Alexine Tinne consegue, a troco de verbas avultadas, uma escolta militar do Governador-Geral do Sudão e o aluguer de dois barcos para os transportar a todos. 



Leva de escravos



Navegando pelo Nilo Branco, saem de Cartum a 06 de Maio de 1862 e, cerca de uma semana depois, atingem o entreposto esclavagista de Djebel Dinka. E é aqui, em Djebel Dinka que Alexine Tinne vê o tráfico negreiro em todo o seu triste esplendor.  Correntes enormes de seres humanos acorrentados uns aos outros,aguardavam, humilhantemente, serem forçadamente exportados para outros territórios de toda a zona arábica e persa. Horrorizada escreve: "As margens por onde passámos estavam cobertas de grandes manchas negras que, ao aproximar-me, vi serem negros apertados uns contra os outros a ponto de formarem uma massa, de modo que assim se tornava mais fácil vigiá-los. Estavam todos nus e até as crianças estavam acorrentadas." Compra a liberdade de vários escravos, manda matar animais para alimentar outros desgraçados, mas sozinha nada pode contra aquela turba de negreiros.




Um elemento da etnia dinka



A sua mãe, Henrietta van Capelle, retorna a Cartum a fim de buscar mantimentos e medicamentos. Esta, chegada a Cartum, depara-se com o casal de exploradores Samuel e Florence Baker, que também tentavam encontrar Jonh Specke e James Grant. Receosa, antecipa a jogada e aluga o único vapor, o "Príncipe Halim" e reboca outro barca carregado de mantimentos. Samuel Baker dirá: "Soube que umas senhoras holandesas, sem a companhia de nenhum cavalheiro, estão a passar no território dos dinkas. Devem estar loucas." Os Baker, com provas mais que dadas na actividade da exploração geográfica africana, feita com recursos mais modestos que os das Tinne, não morrem de simpatias por toda esta exuberância extravagante. O facto de terem sido ultrapassados na posse do único vapor que tencionavam alugar para atingirem Gondokoro, ainda acirrou mais os seus ânimos, contra as Tinne. "...o Nilo Branco está na moda. Será preciso instalar um pub no Equador, onde os exploradores e exploradoras possam beber umas cervejas frias..." será um dos seus comentários irónicos à actividade das Tinne.



Henriette van Capelle regressa a Djebedl Dinka e, reunindo-se à filha e à irmã, as Tinne promovem a partida para Gondokoro. Será uma dura viagem, muito violenta mesmo atendendo à idade da mãe e da tia de Alexine Tinne. Atravessam água putrefactas do Nilo, quase paradas, onde os barcos não navegavam se não houvesse vento. Os mosquitos encharcam os corpos suados e a malária arrasa tudo e todos. Os cheiros pútridos e pestilentos das margens entranham-se nas narinas dos viajantes. As algas, às toneladas, encharcam o rio, obstruindo  a passagen dos barcos. São precisas forças hérculeas para, no meio do calor e da humidade elevadas, catanarem algas para abrirem caminhos fluviais. 




Gondokoro, no século XIX


Foi uma pura descida aos infernos, que durou três semanas até que, finalmente, atingiram Gondokoro a 29 de Setembro. Tinham percorrido três mil quilómetros de Cartum até ali. Mas se Cartum fora o Purgatório, Gondokoro era o Inferno. A localidade, sem governo, era pejada de negreiros armados até aos dentes, o álcool jorrava ininterruptamente, as mortes por diversos motivos eram uma constante, os cadáveres jaziam onde caíam, as doenças pululavam a eito e a localidade emanava um cheiro nauseabundo. As elevadas temperaturas, superiores a 40 graus, tornavam impossível para um europeu, desabituado àquele clima, de ali sobreviver muito tempo. A própria Alexine Tinne adoeceu gravemente. A ausência de notícias de John  Specke e James Grant em Gondokoro, onde já eram dados como mortos e o facto de, dali em diante, tornar-se quase impossível de navegar pelo rio Nilo abaixo, com os meios humanos que dispunham, devido às constantes quedas de água que quebravam a  sua navegabilidade, acabaram por determinar a decisão de regressarem. Virando as costas à continuação da aventura, as Tinne retornam a Cartum,  em Novembro seguinte, dizendo adeus às verdes colinas de África e aos grandes lagos azuis que ficavam mais a Sul. Depois de terem atravessado o Purgatório e o Inferno, viravam as costas ao Paraíso. E o pior que tudo é que tinham consciência disso. Mas não tinham meios humanos para tal.

Chegadas a Cartum repousam da aventura mas Alexine Tinne começa a projectar partir de novo, a explorar o rio Bhar-al-Gazhal (rio das gazelas) , outro afluente nilótico no Sul do Sudão e, daí, tentar chegar à África central. A expedição, composta por cinco barcos, sendo um a  vapor, parte de Cartum em Fevereiro de 1863, sem a tia Adrian van Capelle, que se recusa  a acompanhar a sobrinha e a irmã nesta  nova aventura que rotula de loucura mas, em contrapartida, integra o Barão Theodor van Heuglin (ornitologista) e Hermann Steudner (botânico), dois cientistas alemães. Como sempre o exagero e o fausto acompanham Alexine Tinne, servida por uma corte de criadagem e escoltada por dezenas de soldados. Camelos,burros e mulas (animais de carga) e ovelhas e frangos (animais de consumo) e um cavalo puro sangue árabe de Alexine Tinne fazem parte do folclore expedicionário. Com o intento de explorarem esta região e colherem informações sobre a existência dum grande lago no interior africano, atingem o rio Jur, outro afluente nilótico do sudoeste sudanês, que é alimentado pelo Bhar-el-Gazhal, a 10 de Março seguinte.



Mas a expedição não corre de feição, e a tragédia começa a abater-se. A lentidão da navegação fluvial é exasperante, fruto da densa vegetação que cobre as águas dos rios, tolhendo as pás do barco a vapor e dificultando a remagem dos restantes. Três semanas após a partida atingem Mashra el Kitayab e daí abandonam os barcos e prosseguem a viagem a pé, apesar da dificuldade em encontrarem carregadores para tanta bagagem. Os dois cientistas alemães separam-se da caravana e seguem para Wau. Nesta localidade morre Hermann Steudener (Abril de 1862) vitimado pela malária e o seu colega Theodor van Heuling retorna a Mashra. Mas Alexine Tinne persiste na viagem, pelo que a caravana, em Maio de 1862, parte de Mashra para Wau. Esta viagem vai-se adensando cada vez mais, acabando Alexine Tinne por adoecer. A sua mãe escreve: "Alexine está a suportar a viagem francamente bem. Ela tem uma padiola com um guarda-sol para viajar e sobre a qual colocou um colchão de modo a poder descansar confortavelmente e poder fazer com frequência uma sesta refrescante. Eu viajo numa cadeira e cada uma de nós é transportada por quatro negros. As criadas Flora e Ana vão de burro e os cientistas de mula. Temos cento e vinte negros que transportam a nossa bagagem mais necessária."  Atingem Wau que é um paraíso quer vegetal quer animal. Uma flora exuberante, um mundo animal pujante, principalmente de aves, tornavam Wau numa sensação agradável para repouso, que aproveitam para catalogar e colher diversas plantas.


Partem de Wau e rumam para Oeste, para os montes Gossinga, onde acabam por se aperceber do erro cometido por terem saído de Wau. Em Gossinga são retidas por um esclavagista local, que lhes cobra preços exorbiatntes pelo fornecimento de víveres e vai-lhes fornecendo informações falsas sobre a chegada de caravanas que depois seguiriam par o centro de África. Pelo contrário, essas caravanas, devido à época das chuvas tinham retornado para Wau, o que acabou por reter Alexine Tinne e os seus durante meses naqueles montes.


E foi aqui que, a 22 de Julho de 1863, morre a Baronesa Henrietta van Capelle, a mãe de Alexine Tinne, da febre das águas negras (malária). Foi um duro golpe para Alexine Tinne. A sua mãe fora  a trave mestra que suportara os seus caprichos de exploradora. Fora a sua financiadora de todos os seus apetites, de todos os seus desejos, de todas as suas excentricidades. Fora a barreira protectora das investidas dalguns familiares que, na Europa, não compreendiam o esvaziamento dos cofres familiares para pagar todo aquele fausto nas explorações africanas. Fora a sua companheira permanente, quer nos faustos dos salões do Cairo, quer na secura da travessia de desertos, quer no navegar de rios infestados de crocodilos e mosquitos malarientos. A Baronesa, detentora duma fortuna imensa, familiar da Casa Real Holandesa, frequentadora dos principais salões da alta nobreza europeia, tudo trocara para acompanhar sempre a sua filha aventureira, sem nunca lhe ter virado a cara. Fora, fruto da sua idade e estatuto social europeu, na realidade uma mulher corajosa.



Numa carta escrita dirá: "No Sábado estava tudo preparado para partir, com as suas coisas empacotadas, mas chamou-nos a atenção o facto de continuar ainda a dormir. Fui vê-la várias vezes mas não acordava até que por fim o criado olhou-a com mais atenção e viu que estava morta." Alexine Tinne nunca mais recuperou deste golpe do Destino. E como se não bastasse, no mês seguinte morre Flora, a sua fiel criada que a criara desde criança. 


Decide regressar a Cartum e a viagem de regresso torna-se penosamente numa outra caminhada pelas estradas do Inferno. A deserção de soldados e carregadores que obriga ao abandono de bagagem, a diminuição de alimentos, as doenças a minarem a moral dos caraveneiros, tudo se combina para tornar o regresso uma caminhada lente e angustiante, de fim indefinido. E é neste caminho de retorno que Alexine Tinne sofre outro golpe quando morre Ana, a sua outra fidelíssima criada holandesa. Está à beira do esgotamento e desorientada quando, em Janeiro de 1864, são encontrados e salvos por uma expedição que partira de Cartum com a missão de as encontrar.


Fora a sua tia, Adrien van Capelle que, farta de esperar o regresso das familiares e preocupada com o destino das mesmas, ao fim de meses de espera inútil e depois de ter contactado com Jonh Specke que, nesse espaço de tempo, chegara a Cartum  juntamente com James Grant, vindos da África central, da famosa segunda viagem ao que diziam ser a nascente do rio Nilo, conseguira reunir uma forte caravana militar e enviá-los à procura da irmã e da sobrinha, em direcção a Wau. Adrian van Capelle tornara-se na estrela da sorte da sua sobrinha, pois o contingente de salvamento encontrou-a já no limite das suas forças.



Mas, dois meses mais tarde, Adrien van Capelle acaba por morrer, em Cartum. Esta mulher, que não trocara os seus princípios morais e religiosos pela paixão secreta que mantivera durante algum tempo com o Czar Alexandre, quando estivera na corte russa, acabava os seus dias numa escura e triste terriola do interior africano, que ela sempre detestara. Com a morte da tia, o último elo holandês da sua expedição, Alexine Tinne toma a consciência que já não pode regressar ao seu núcleo familiar europeu. Seria sempre inculpada, pelos familiares, das mortes das pessoas que arrastara loucamente nos seus caprichos de aventureira. Dizendo adeus ao Sudão e a Cartum retoma o caminho para o Cairo. No entanto ainda atravessa o deserto em direcção  ao Mar Vermelho onde embarca, em Suakin, a sua preciosa coleção botânica para o herbário de Viena de Aústria. Depois cavalga para o Cairo.


Destas duas expedições ficaria para a História alguma melhoria no conhecimento geográfico das regiões do sudoeste sudanês que foram exploradas por Alexine Tinne, bem como a descoberta, colheita e envio para a ciência europeia estudar, de 24 novas espécies de plantas, até então desconhecidas. Pouco, apesar de tudo, face não só à enormidade financeira que fora dispendida, mas também ao número de vidas perdidas, entre as quais se arrolavam a sua mãe, a sua tia e duas fiéis criadas da sua meninice.


Regressa ao Cairo e, nos quatro anos seguintes percorrerá, faustosamente como era seu timbre e a sua fortuna o permitia, o Norte de África em diversas viagens. Em 1867 fixa-se em Argel e começa a desejar atravessar o deserto do Sahara e tentar penetrar por África adentro. Dos exploradores que tinham atravessado o Sahara, muito poucos eram os que regressavam para contarem a história das suas odisseias mas os livros que escreviam vendiam-se bastante bem. A cada novo livro que lia destes aventureiros redespertavam em Alexine Tinne a sua vocação de aventureira pelo que decidiu atravessar o Sahara e tentar estudar os tuaregues.


Em Outubro de 1868 instala-se em Tripoli, então subordinada ao Império otomano, e prepara com meticulosidade a sua viagem. A fim de comprar o beneplácito dos vários líderes tribais dos territórios que tinha que atravessar, manda vir da Europa uma panóplia de artigos invulgares e até exóticos para aquelas paragens exóticas, tais como máquinas de costura, de gelo, de fotografia e de telescopia, para além dum pequeno canhão que pretendia oferecer ao Rei de Bornu. Manda construir também dois tanques metálicos para armazenar a água que iria ser consumida na viagem.


Em finais de Janeiro de 1869, Alexine Tinne parte de Tripoli, liderando uma expedição composta por numerosa criadagem e escolta armada, levando uma panóplia de luxos (como sempre) e volumes de diversos artigos para ofertas às chefaturas dos territórios que fosse atravessando, sendo as pessoas e as bagagens transportados em mais de cem camelos. Levava na ideia e intenção de descer ao Lago Chade e, daí, flectir para o Reino Ouadai (a leste do Lago Chade) e prosseguir por Darfur até Korfdofan (centro do Sudão) onde apanharia o Nilo e subiria até ao Cairo. A sua primeira etapa seria Murzuk (actual sudoeste líbio), a cerca de mil quilómetros de Tripoli, que vem a atingir volvido um mês de viagem tornando-se na primeira europeia a atingir um ponto tão longínquo no Sul sahariano, onde se cruza com o explorador alemão Gustav Nachtigal e, inicialmente ,combinam atravessar o deserto sahariano juntos. Mas como Gustav Nachtigal pretendia primeiro explorar as montanhas do Tibesti (cadeia vulcânica localizada a Norte da bacia do Chade) eles acabam por se separarem e Alexine Tinne retoma a sua viagem por sua conta e risco.

Na rota sahariana que liga Murzuk a Ghat (cidade localizada no sudoeste líbio)  a sua expedição é assaltada por tuaregues, eventualmente conluiados com um dos guias da caravana, a 01 de Agosto de 1868, quando se preparavam para abandonar o oásis de Wadi Shergui. No combate que se trava entre os assaltantes tuaregues e os homens da caravana de Alexine Tinne, esta acaba decepada. Os tuaregues deixam, deliberadamente, Alexine Tinne morrer por perca de sangue fruto de ter sido decepada, suplício esse que levou horas, não permitindo que os seus criados a acudissem.



Sobreviveram ao massacre cinco criados para contar a história.


Gravura romantizada do
decepamento de Alexine Tinne


As causas da sua morte geraram controvérsia. Atribuiu-se isso ao facto dos tuaregues acreditarem que nos tanques de água que ela transportava para a travessia do deserto esconderem moedas de ouro. Posteriormente um outro explorador, Erwin von Barin, que percorreu aquela área conseguiu falar com alguns dos assaltantes tuaregues que participaram na chacina da expedição de Alexine Tine e relataram que tal facto não se deveu por nenhum tesouro, mas sim para desafiar a autoridade de Ikhenukhen, o líder incontestado da facção dos tuareges do Norte, fazendo-lhe demonstrar que ele já não conseguia proteger as rotas caraveneiras do seu Reino.


A marca da morte e da destruição do seu legado patrimonial de Alexine Tinne continuou muito após o seu falecimento. No decurso da II Guerra Mundial, a sua colecção etnográfica guardada em Liverpool foi destruída pelos bombardeamentos alemães, o mesmo sucedendo, pelos mesmos motivos a uma Igreja construída em sua memória, na sua Haia natal. Mas no herbário de Viena de Áustria ainda se conservam pinturas suas alusivas as plantas que foi descobrindo, colectando e registando aquando das suas viagens. E também em Juba, no Sudão, o seu nome consta num memorial ali mandado construir para honrar todos os exploradores do rio Nilo. O seu nome ombreia com Jonh Specke, David Livingstone e Richard Burton, entre muitos outros notáveis.

Alexine Tinne foi uma mulher excêntrica. A sua fabulosa fortuna ter-lhe-ia permitido passar a vida nos faustosos salões europeus, entre a nata da sociedade europeia.  Tinha formação, cultura e educação para isso. Mas o apelo pela aventura foi muito mais forte e, ainda por cima, ajudada pela sua mãe. Foi uma viajante aventureira que jamais recusou o conforto e o luxo nas suas deslocações. O seu séquito era composto por uma legião de criados devidamente fardados e no mesmo mandava transportar móveis do seu agrado bem como todos os seus animais de estimação. Nunca regateou os preços que lhe exigiam para arranjar alimentos, medicamentos ou meios de transportes para as suas viagens. Pagou uma fortuna pelo aluguer do único vapor que havia para a levar a Gondokoro e nas suas caravanas transportava uma carruagem adaptada a câmara escura para revelar as fotografias que ia tirando. Denunciou as situações de tráfico de escravos, nunca tendo calado a sua voz. Pagou sempre pontualmente ao seus servidores. Mesmo após a sua morte a sua família pagou aos seus fiéis servidores que sobreviveram à chacina tuaregue uma pensão vitalícia.


Alexine Tinne, também apelidada de "Rainha do Nilo Branco" e também de "Rainha do Equador", foi uma mulher generosa e aventurosa, tendo a sua morte gerado lendas no deserto, cujas areias serviram de cobertura à sua sepultura, sepultura esta que nunca foi localizada. A sua morte estupidamente violenta, mesmo para os padrões árabes atendendo a que a deixaram morrer em câmara lenta, aliado ao facto do seu cadáver nunca ter sido encontrado, ainda mais aumentou a sua lenda, pois havia quem garantisse que ela não tinha morrido, mas sim que se tinha retirado voluntariamente da civilização europeia, casado com um príncipe árabe e gerado filhos. Impossível esta versão, para quem fazia questão de transportar sempre que possível a sua carruagem de câmara escura fotográfica e o seu piano de cauda em todas as suas aventuras.



Só que agora já não tinha mãos nem para revelar fotografias nem para tocar as sonatas de Chopin. Curiosamente ambos morreram com a mesma idade: 39 anos.



.............................................................



Nota: As citações dos discursos directos referidas no texto acima escrito foram colhidas do livro "Memórias de África" de Cristina Morató, obra já citada anteriormente, o qual, não tendo sido a única fonte de informação, foi a principal para este texto.

*********************************************


HISTORIANDO MOÇAMBIQUE COLONIAL





Continuação do "Diário da Campanha do Mataca - Julho/Novembro 1899", de George Stucky



10 de Agosto: Devíamos partir esta manhã, mas por razões sérias a partida é reenviada de 24 horas. Efectivamente, logo após a nossa chegada aqui, pudemos constatar que o comportamento de dois chefes (régulos) da terra, o Mecanhelas e o Chicouato, não era o que devia ser. Eles não têm cumprido as formalidades em uso (pegar pé), têm escondido os seus mantimentos, abandonado as aldeias, não quiseram ajudar a coluna e lhe fornecer os víveres necessários para os sipaios e carregadores: víveres que os nossos indígenas foram forçados a irem procurar, o que deu lugar a diversos engajamentos. Além disso soubemos por uns prisioneiros, que a coluna devia atacar-nos durante a nossa passagem a Chicouato. Nestas circunstâncias fomos obrigados a mandar prender os tais régulos e de os guardar à vista até a execução do ultimato que o Major lhes fez saber: a entrega de 200 armas, com pólvora e chumbo correspondente; a apresentação de dois guias para nos conduzir ao Kouemba e também assegurar-nos a segurança da região; de proteger o serviço dos correios, etc. Este ultimato acabará no dia seguinte ao meio-dia. Passada esta hora, se não fosse cumprido, os régulos seriam fuzilados. Ainda bem. Isto é que é uma boa política, mas quantas conferências foram precisas, quanta pressão mesmo, para chegar a decidir o Major que estava sempre nos “atermoiements”, pois não conhece os indígenas e a maneira com que se deve tratá-los, em guerra sobretudo. Um grave acidente deu-se ontem, junto ao paiol: uns dez barris de pólvora explodiram, não se sabe ainda como, e 7 pretos foram atrozmente queimados vivos. Estes pobres diabos metiam medo e pena; tornados completamente brancos, pois tinham sido absolutamente escalpelados da cabeça às pernas, era uma coisa horrível de ver-se. E estes desgraçados, sofrendo mil martírios, não lançavam sequer um gemido; os mais feridos morreram pouco tempo depois. As manhãs estão frias: 9º apenas. Às 11 horas temos 37º, debaixo da tenda. 32º às 3,30/ 11 de Agosto: As armas pedidas aos régulos não chegaram. Vamos ver o que fará o Major. Às 3 horas em ponto, reunião do Conselho dos Oficiais: conselho de guerra. Exposição da situação pelo Comandante. Qual decisão tomar? Deve-se fuzilar os régulos por não execução do ultimato? Passa-se ao voto. Duas vozes afirmativas, 23 contra. Sobre 25 oficiais (cujo, dois a título civil: Bívar e eu) há apenas dois que pedem a execução da sentença de ontem. Os militares preferem contemporizar ainda. Sem guias para continuar o nosso caminho seremos obrigados de guardar os dois régulos, para isto. Mas tenho medo. Tenho medo que com tais guias, arrisquemos um belo dia estarmos expostos às maiores aventuras. Digamos como Suetónio; “Álea jacta est.”. O que for soará. Durante a nossa estadia em Mecanhelas, o Major recebeu aviso do capitão Pearce, comandante das forças inglesas, que nos anunciava a sua chegada a Tombuc (no território português, junto ao limite da fronteira) nos pedia de dispor das suas forças se uma assistência qualquer pudesse, num dado momento, ser-nos necessária. Agradecendo a sua oferta, o Major pediu-lhe somente ficar perto da fronteira a fim de proteger, se fosse preciso, o comboio geral de víveres que partiria brevemente para Napulu. Napulu é o ponto onde a coluna deve reorganizar-se, logo após a campanha do Kouemba. 12 de Agosto (nota do Autor: no relatório surge a data de 18 de Setembro, o que se tratará, eventualmente, dum lapso de G.S.): 7 horas saída a caminho de leste. O tenente Terry parte com alguns soldado landins e sipaios para Milange, a fim de receber aí um comboio de munições que não nos chegou. Leva com ele o correio. Soube-se mais tarde que o Terry só pode chegar aí com a ajuda de machileiros armados; os soldados angolas (landins), não podendo suportar a rapidez da marcha, tiveram que ficar muito atrás. O tenente Ferreira (da artilharia também) partirá amanhã para Napulu com o comboio de víveres; vai com um grupo de soldados de cavalaria, de landins e de sipaios da C.Z. Enquanto a nós levamos seis dias de víveres; sem comentários, que seriam penosos demais. Para que riscos corremos! Marchamos até ao meio-dia um pouco às cegas, enganámos mesmo de caminho e somos obrigados a dirigir-nos na SE para encontrar água. É sempre a mesma coisa; cada vez que há dois guias, cada um deles vai do seu lado, quando se chega a um entroncamento. Bívar, que marcha à minha direita continuou à direita, enquanto que o meu guia foi para a esquerda. Obrigados, pois, a retrogradar, de maneira que só chegámos às 4 horas da tarde para acampar! Naturalmente sem comer, pois a coluna teve mais de duas horas de atraso devido a teimosia do guia. Se nós continuássemos alguns dias com um tal regime a maior parte dos soldados seria inutilizada. O nosso acampamento é situado ao pé do pico Nhanlélé, num sítio magnífico para emboscada. O sanzoro é feito depressa e nós dormimos dum olho. 13 de Agosto: Nada de suspeito nos arredores, levantamos o campo às 7 horas e marchamos até às 11 horas. Alto entre duas serras, exactamente no limite do Kouemba. Todavia nada faz prever a presença do inimigo. 14 de Agosto: Seguimos as colinas, direcção NE. Mal tínhamos feito alguns quilómetros, logo à saída dum barranco, alguns tiros estalando à minha direita e de Bívar, nos fazem sobressaltar. Enfim… o inimigo descobre-se. São os sipaios do Bívar que estão engajados. Um vivo tiroteio responde aos tiros dos lomués. Faço formar imediatamente os meus sipaios em atiradores deitados e espero não sem ansiedade o resultado desta escaramuça. Mas o fogo cessa depressa. Estamos encravados no meio do capim. Nada se vê; isto é que é o Diabo. Onde ficou a coluna? Não posso ficar assim: vou às notícias com dois sipaios, ao encontro da gente do Bívar que me informa que os lomués fugiram para o cume das serras. Resultado: um sipaio ligeiramente ferido, mas a bandeira dum cazembe (chefe de guerra) ficou completamente esburacada e mesmo queimada; isto quer dizer que todos os tiros foram feitos à queima-roupa. É bom ficarmos prevenidos. Seguimos pois um caminho (se tal se pode chamar assim) na serra. Marcha impossível para os brancos; subidas e descidas sucessivas; dificuldades enormes para a artilharia; deve-se desmanchar as peças. Peça 1 hora da tarde parto um pouco adiante para ir buscar um ponto de água. Apenas era entrado alguns cem metros no mato, tão espesso que nada se via a dois passos e que a gente parecia mergulhada num poço, quando novamente um violento tiroteio nos faz parar imediatamente. Tiros à queima roupa sobre os sipaios da frente, a alguns metros de mim. Há feridos? É-me impossível ver qualquer coisa. Respondemos com fogo de salva, talvez inútil, pois nada vemos, mas mesmo que nada se faça, sempre afugentará os lomués. O capim é tão alto (mais de dois metros) que estou na impossibilidade de ver os meus vizinhos imediatos. Marcha-se como num labirinto; é preciso mandar cortar capim com espadas, para poder avançar. Não sei como farão os soldados e a artilharia, sobretudo. Breve intervalo e depois novos tiros. Baptismo do fogo. O capitão Mateus é impassível como o deus Marte em pessoa. É um belo prazer vê-lo tão senhor de si; os sipaios da machila quase que desapareceram no chão, como se fossem ratos… coitados! Tenho que zombar com eles e tratá-los de galinhas. Como é a primeira vez é perdoável este susto. Hão-de se acostumar com o tempo. Ouvi perfeitamente as balas sibilar nos meus ouvidos; isto produz um efeito singular. A gente tem sempre – como primeiro movimento defensivo – de curvar a cabeça (saluer les balles, dizem os franceses). É irresistível… depois… depois se arma de valentes e lá se fica de cabeça erguida, mas com um calafrio nas costas, quando as balas silvem demasiado perto. De joelhos ou deitados, respondemos à sorte… devendo economizar os cartuchos, pois se cada dez minutos devemos trocar tiros, já não teremos munições suficientes. Estou mais inquieto com os da frente. Rastejando, lá vou ter com eles, com muita pena. Ninguém está ferido, felizmente. Recomendo a maior calma e silêncio absoluto. Esperamos alguns minutos antes de prosseguir a marcha com infinitas precauções. E não me devo afastar da coluna, pois os lomués poderiam infiltrar-se entre nós e ela… o que seria uma complicação tremenda. Nada; o inimigo safou-se, verdadeiramente, tínhamos tido um adversário resoluto, a luta poderia ter sido muito severa e tanto mais perigosa que não se sabia ao certo de onde provinham os tiros e que a gente ficava atrapalhada, numa situação precária, por não saber e não ver nada. O Major foi devidamente avisado, como também o Bívar e o Cunha, que flanqueavam os meus lados, para eles tomarem cuidado. Com muito custo a coluna consegue alcançar-me e pára um momento. Recomeça a marcha pouco depois. Às três horas outro alerta, à minha esquerda desta vez. Os sipaios da Maganja respondem com um vigor temível para a nossa falta de cartuchos. Atacados pouco depois, mas desta vez com calma e sangue frio. Os lomués são muito desastrados, felizmente para nós: mesmo à queima-roupa nada acertam. Os sipaios pretendem do seu lado que a “mezinha” deles deve ser muito boa. Poderá ser!? Marcha até às 4 horas para o almoço, se assim se pode dizer; a gente começa a acostumar-se. Nada de jantar também, pela simples razão que não há água suficiente. Temos só, é facto, dois pequenos poços cafreais, que poderiam dar de beber a umas vinte pessoas de cada vez. Devemos, pois cavar uns vinte poços para assegurar o consumo da coluna, e isto leva tempo. E que água senhores, negrinha, nauseabunda, apenas boa para animais… e filtros não há, só alúmen para clarificar. Cuidado com as disenterias amanhã, se a gente não tem a cautela de fervê-la a valer. Mas como poderão fazer os soldados individualmente? Terão eles a paciência de esperar antes de beber? Enquanto aos pretos, eles bebem desta água com o maior descuido, pois não receiam grande coisa sobre este ponto, contanto que a quantidade seja suficiente!!! 15 de Agosto: Descanso. Não posso senão admirar a sobriedade e a filosofia dos soldados portugueses. Almoçam só às 5 da tarde por falta de água para a cozinha. Não posso compreender como isto pode ser… pois o que faz então o Comando? Já lá vão três dias que isto acontece. Ora, apesar destas privações, apesar das fadigas duma marcha muito penosa, o seu carácter e o seu bom humor em nada se ressentem. Admiráveis soldados, tanto mais admiráveis que eles devem bem adivinhar que com um pouco de cuidado, S. Exa. o cozinheiro poderia governar-se melhor, se houvesse quem o sacudisse ou soubesse desembaraçar-se mais. O sistema “D” dos franceses ainda não apareceu por aqui, infelizmente. Não conheço muitos soldados estrangeiros que suportassem tanta negligência. Quando isto acontece por fatalidade, não há remédio senão sofrer tranquilamente, mas quando a gente pode ver que com um pouco de boa vontade e de energia muito se remediaria… é preciso ser santo para calar-se. Pequena marcha de 2,30 horas. Encontramos enfim água suficiente; tardava-me de tomar banho (banho cafreal já se vê) e de mudar de fato, pois verdadeiramente era nauseante, e o somos todos… a marcha na palha queimada nos transforma em carvoeiros. 16 de Agosto: Marcha pequena de 10 quilómetros. Acampamos junto ao Luazi. De hoje em diante marcharemos um dia e descansaremos no outro dia, a fim de deixar aos sipaios o tempo necessário para ir explorando o terreno adiante da coluna e prepará-lo, se for preciso, isto é: cortar o capim, queimá-lo, etc., etc., pois o perigo para as tropas é medonho e permanente, sem contar que a marcha é, às vezes, absolutamente impossível sem esforços demasiados. A infantaria passa à custa de muita pena, mas consegue passar, mas a artilharia é um problema de todos os dias. Não sei mesmo como estes rapazes, mesmo ajudado por pretos, ficam ainda de pé; serão eles os “souffre douleurs” de toda esta campanha? 17 de Agosto: Descanso. Dois sipaios feridos e um morto no serviço de exploração. As emboscadas continuam. 18 de Agosto: Marcha de 16 quilómetros. Acampamos junto ao Mlounguzi, ao pé duma serrazita. 19 de Agosto: Descanso. Mas eu parto de manhã com o capitão Mateus e uns 100 sipaios para ir explorar o caminho adiante. Passando uma colina à direita entramos logo numa planície imensa e que nos parece ainda maior pois o horizonte é sem limite. Ao acaso, pois o capim é muito alto, mando alguns sipaios na encosta da serrazita para vigiar os arredores mais facilmente. Esta medida de precaução salvará certamente a vida a alguns de nós, pois somos prevenidos pelas sentinelas, que um forte grupo de inimigos dirigia-se ao nosso encontro para nos fuzilar à passagem, como de costume. Como o vento nos é favorável, mando pôr o fogo imediatamente ao capim e mando retirar os sipaios das posições avançadas. Depois de ter observado os movimentos dos lomués e não sem tomaras disposições de combate, em vista dum ataque possível. Esperei cerca de uma hora; em seguida a minha gente regressou sem notícias de maior; fiz uma volta à serra onde podia supor que os lomués se escondessem para fugir ao incêndio, mas sem resultado. Depois voltamos ao acampamento para almoçar. 20 de Agosto: Seguimos o caminho que tomei ontem. Mesma manobra, mas desta vez o inimigo é-me assinalado no flanco direito, escondido no capim extremamente alto. O Major, prevenido, faz parar a coluna; o tenente Tudela mete uma peça em bateria e manda alguns obuses na direcção indicada pelos sipaios; como isto não parecia produzir o efeito desejado, forma-se o quadrado. A primeira secção de infantaria de frente, faz fogo de salvas. Há, neste momento, não sei bem porquê, um começo de pânico. Um oficial julgando-se talvez em perigo, manda executar uma salva, sem ordem do Comandante, por falta de sangue-frio, pois o inimigo é assinalado do lado justamente oposto ao dele. Ora os sipaios que estavam adiante de tal secção, ouvindo sibilar as balas do quadrado, tiveram – o que é natural – um momento de susto e recuaram precipitadamente para o quadrado. Resultado: 2 sipaios feridos ligeiramente, com grande sorte. Felizmente que não houve mais feridos o que é um verdadeiro milagre. Em consequência, os que vinham atrás imaginaram Deus sabe o quê e, num momento, o comboio foi quase abandonado. O cabo de cavalaria que vigiava os carregadores perdeu a serenidade e tratou logo de pôr os cavalos a salvo, no meio do quadrado, o que atrapalhou tudo. Durante momentos foi uma boa embrulhada de sipaios, de carregadores, de soldados, cavalos, etc. Em resumo, demasiada precipitação nos movimentos nem sempre executados com a calma necessária em semelhantes ocorrências. Hesitações no comando, talvez, o que nos surpreendeu, pois nunca houve perigo sério… houveram só, por parte de alguns, medo do perigo. É verdade dizer que, para quem está no centro da coluna, é difícil, às vezes, fiscalizar o que se passa longe da vista, na retaguarda ou na vanguarda – e principalmente no comboio – que se espalha muitas vezes sobre centenas de metros, quando o capim é muito alto e dificulte severamente a marcha. Mas parece-me que o comando, conhecendo estas dificuldades, conhecendo também a facilidade que têm os pretos, supersticiosos, em debandarem, se não se sentem protegidos a valer, deveria dar as suas ordens terminantes para tais casos, e as fazer cumprir à risca. Felizmente que desta vês o inimigo estava a uns 130 metros da coluna e que o terreno perto do quadrado, queimado da véspera, permitia uma vista regular até ao começo do capim ainda alto. Poderia ter-se visto qualquer lomué que avançasse, mesmo rastejando. E do lado do comboio, os sipaios do Marral, vigiavam atentamente e não podiam ficar surpresos depois do primeiro tiroteio. Para dar lugar a sérios receios, seria necessário ter de frente um inimigo numeroso, resolvido, bem comandado, que possa circundar a coluna e que seja bem escondido no meio do capim, isto é invisível… mas não foi o caso. Findas as salvas, prossegue-se a marcha e somos certos de ficarmos sossegados por algum tempo. Os lomués, provavelmente aterrorizados pelos obuses (pelo barulho ao menos), devem-se ter refugiado para além das serras e não se apresentarão tão cedo. Cerca do meio-dia novo alerta, alguns selvagens foram vistos na frente. Uma secção faz-lhes algumas descargas e tudo entra na ordem. Acampamos às 2,30 nas margens do rio Luazi. 21 de Agosto: Descanso. 22 de Agosto: Marcha às 7 horas. Pelas 10 horas somos recebidos com vivo tiroteio quando íamos a entrar num pequeno bosque. O inimigo torna-se dia a dia mais atrevido, pois desta vez somos atacados de frente e abrem fogo. Os artilheiros disparam alguns tiros, mas com pouco efeito, sendo o inimigo unicamente visível pelo fumo das suas descargas, o que representa um alvo perfeitamente incerto. Tiroteio duma hora. Três sipaios feridos do nosso lado, um deles seriamente na perna direita. Acampamento no Luazi. 23 de Agosto: Enfim, hoje temos um verdadeiro combate decisivo para nós, esmagador para a gente do Kouemba. O inimigo deu toda a medida da sua força e da… sua impotência. Não devia haver menos de umas 600 a 800 espingardas à nossa espera, num mucurro muito fundo, à volta do caminho. Lugar bem escolhido para emboscada. Os lomués podiam esconder-se no tal mucurro, sem ser vistos e atirar sobre nós à vontade, sem riscos de maior, protegidos pelas encostas a pique, onde o nosso tiro não podia atingi-los. O lugar havia sido tanto melhor escolhido que o tal mucurro faz ali uma curva forte o que permitia o rodear completo da coluna, além disto a floresta flanqueava o caminho à esquerda, o que favorecia um ataque deste lado e rodeava igualmente a curva do mucurro, de forma que os lomués, depois de ter atirado sobre nós, podiam fugir e irem novamente carregar as suas armas ao abrigo de matos quase impenetráveis (ver o croquis). E quando o mucurro estaria forçado, o mato podia ainda oferecer-lhes um refúgio de primeira ordem. As descargas começaram à minha direita, a uns 40 metros, passaram em seguida, depois de ter provado a nossa frente, à esquerda, lado Maganjas, prosseguiu ora dum lado ora doutro, com intervalos mais ou menos avizinhados. O inimigo atira à queima roupa, protegido, pois, como o tenho dito, invisível, pelas encostas do rio ou pela floresta. O quadrado entretanto é rapidamente formado, sobre um pequeno “plateau” descoberto. Tudo se faz, desta vez, com método e sangue frio. Mas contrariamente aos seus hábitos, os lomués não fogem. Bem entrincheirados no mucurro, completamente ao abrigo, pois que os nossos tiros passam sempre por cima deles, resistem, os lomués, valentemente, com grande coragem, não temendo mesmo a artilharia, que os cobre de metralha sem parar. Foram precisas duas horas de luta áspera para chegar a repeli-los e algumas boas cargas dos sipaios para os fazer sair tanto da floresta como do mucurro. O aspecto do campo de batalha, por quem tivesse um momento livre, era bonito de ver. Toda a gente andava bem disposta, e eu vi até o médico, Dr. Martins, fazer o seu tiroteio para – dizia ele – molhar a sua sopa. Tem graça esta palavra!... Os sipaios do Boror, que guarneciam o quadrado do lado norte, mostraram-se firmes – não ao princípio – pois é preciso aprender a disciplina do fogo, mas sobretudo depois de ter visto o Bastos e eu passarmos diante deles e lá ficarmos em pé, (como os Europeus do quadrado…) enquanto se dava a eles ordem de se ajoelharem, espalhados em atiradores, a fim de dar menos na vista, e atirar menos alto. Do momento que o chefe vai à nossa frente diziam eles, é que deve ter uma “boa mezinha”… além disto o sangue frio de todos, a calma com que as ordens eram executadas, não podia deixar de lhes inculcar uma certa coragem digna de louvor. Mais tarde fizemos cargas repetidas pêra expulsar os lomués da floresta que nos fazia frente. De resto, os sipaios se comportaram bem. Fizeram dos outros lados (que eu não podia ver) cargas sobre cargas, não só para perseguirem o inimigo, mas também para impedi-lo de carregar outra vez as armas. Esta táctica sucedeu muito bem, pois temos podido apanhar um inimigo até aqui invisível e infligir-lhes uma séria derrota. Os sipaios estavam faros de receber constantemente pancadas, sem poder defender-se com sucesso, por causa da espessura ora do capim, ora da floresta. Desta vez, é preciso fazer a justiça que lhes é devida, pelo bonito trabalho que fizeram, com aprumo e valentia. Isto prova que a táctica adoptada era boa e a única utilizável com o nosso inimigo. Apesar do todo o tiroteio aturado, só tivemos, finalmente, 2 mortos e 6 feridos nos sipaios, e alguns europeus feridos. É simplesmente milagroso. Os lomués são muito pobres atiradores, pois à distância que atiravam, 50 metros e às vezes menos, quer do quadrado quer dos sipaios, todos os tiros deviam fazer “mouche”. Embora eles fossem muito bem abrigados, também pudemos aproveitar da sua posição, pois atiravam sempre muito alto, com receio de mostrarem-se. Vimos só, é facto, as suas espingardas ultrapassarem o parapeito da encosta onde estavam escondidos, mas caras, poucas. Catorze mortos lomués ficaram no campo, o que indica um número considerável de feridos, que os lomués tiveram tempo de levantarem ou que morreram na floresta vizinha. Rastos de sangue eram visíveis por toda a parte. Não há combates sem incidentes cómicos ou que tais o pareçam. Uma peça de artilharia ficou durante mais de meia hora empatada num poço assaz profundo, antes de atingir o mucurro de Mtanculu. Felizmente que o inimigo não deu por isso, pois teria ele tido uma boa ocasião para fazer das suas… Não teria podido apreender a peça, mas teria conseguido matar parte dos artilheiros que se afadigavam a desalojá-lo da sua crítica posição. Foi um alferes de infantaria que se dedicou para ir em socorro do canhão entalado. Numerosas citações na ordem do dia. Acampámos no lugar do combate, que se chamará Mtanculu (do nome do tal mucurro) onde se desenvolveu o encontro. 24 de Agosto: Outro pequeno encontro. Kouemba sente-se já menos forte e deve estar desmoralizado; alguns atiradores nos ferem alguns sipaios a pouca distância, 30 a 50 metros, e me fazem um furo na minha cana de machila; aquele tiro me era certamente destinado, pois para poder levantar o itinerário mais facilmente, andava de machila tanto quanto pudesse… até às horas do perigo. Meia hora de tiros de ambos os lados, depois o silêncio. Chegamos em seguida a uma pequena aldeia: Macomba, onde foi surpresa e assassinada uma caravana, não há muito tempo. Um europeu, o Sr. Sinderam (holandês) só conseguiu safar-se atravessando o rio a nado, escapando por verdadeiro milagre, chegando 4 dias depois a Milange, havendo percorrido uma distância enorme em marcha forçada… Na povoação encontrámos ainda duas malas, algumas latas de conservas e diversos papeis que pertenceram ao infeliz Sinderman. Mas ele é vingado e bem vingado. Calor debaixo da tenda, o termómetro marcava 49º às 2,30, disse-me o Dr. Martins. 25 de Agosto: Descanso. Os nossos indígenas que sofreram fome, pois tinham levado poço só para alguns dias, têm encontrado abundância desde a nossa chegada aqui. Por isso testemunham eles a sua alegria com grandes batuques e um barulho infernal; ora, quando o preto canta, dança, grita, disputa-se, é porque tem a barriga cheia. 26 de Agosto: Marcha: direcção ESE. Acampado às 1,30 horas. 27 de Agosto: Marcha: direcção SES. Apenas saímos do campo, avistámos as serras do Kouemba, deixámos pelas 9 horas o rio Mluli (o tal rio vai desaguar, como a gente sabe, no canal de Moçambique, perto de Porto Amélia, chama-se então Lúrio); deixámos, digo, o Mluli à nossa esquerda e dirigimo-nos directamente ao sul. Com grande espanto nosso descobrimos vestígios de sapatos, de rodas de carros, de papel de cartuchos. Quem Diabo terá passado aqui? Seriam os ingleses? Teriam eles recebido, como foi combinado, ordem escrita para entrar em território português? Somos reduzidos a várias hipóteses… mas talvez o Major saiba alguma coisa!? 28 de Agosto: Pelas 10 horas encontramos a vanguarda inglesa; pouco depois chegavam os oficiais que se dirigem ao Major. O comandante, o capitão Pearce, explica ao nosso chefe, por intermédio de um intérprete, que tendo ouvido um enorme tiroteio e forte canhoneio, em 23 (combate de Mtanculo), tinha julgado necessário vir imediatamente em nosso socorro para prestar a sua assistência, e não nos tendo encontrado aí, havia seguido directamente sobre Kouemba, de onde voltava esta mesma manhã, sem ter encontrado alma que fosse nas povoações, e que voltava a Toumbué, onde nos esperaria. “Si non é vero…”, dizem os italianos. Pois os ingleses partiram de Toumbué, que fica a um dia de marcha norte de Chimouazi, no dia 23, e levaram só cinco dias para chegar ao Kouemba… Ora, são uns 120 a 130 quilómetros, com a volta das serras inclusas; teriam, pois, feito uns 30 quilómetros por dia, com os zig-zag do caminho. Seria uma boa marcha… os oficiais ingleses não têm cavalos nem machilas. Vão a pé com os seus soldados. É verdade dizer que não têm muitos impedimentos, como nós… As tropas inglesas eram formadas de: 11 oficiais, 1 doutor, 180 sicks (tropas indianas) 3 300 sipaios, mas sipaios soldados com boa instrução militar… como os nossos landins ou angolas. Umas centenas de carregadores acompanhavam a coluna. Tendo logo notado o asseio impecável dos sicks e dos sipaios: todos vestidos de caqui. Belas tropas coloniais, bem ensinadas e treinadas. Nenhum desleixo, todos limpinhos, como se houvessem deixado o acampamento de Toumbué esta manhã mesma… É bom dizer que eles só tinham alguns dias de marcha, enquanto nós… Os oficiais ingleses pareciam sair do seu gabinete de “toilette”, tão impecáveis estavam; fardados de fresco, “pomponnés, bichonnés”, como para irem assistir a uma festa… E o seu garbo dizia muito sobre a facilidade do seu guarda-roupa. Era simplesmente maravilhoso… Que bonito exemplo para nós todos… que parecíamos uma caravana de mendigo a caminho duma feira qualquer. Mas bem diz o ditado português: vêm-se caras, não se vêm corações. Os ingleses partem às 11 horas para Mtanculu, onde contam eles chegar esta tarde. E nós que levámos 4 dias. Mas deve-se tomar em conta que não têm canhões pesados (só metralhadoras ligeiras) de manejo fácil e de fácil desmanchar. E também, têm só soldados indígenas e hindus, todos bem treinados, bem nutridos e que os senhores oficiais têm todo o conforto compatível… e… incompatível, diriam os meus camaradas invejosos com uma tal campanha! Chegámos a Kouemba pelas 11,30. A maior parte das aldeias têm sido queimadas (ingleses?). Nada que ver, nada que observar. O centro principal está muito bem situado e defendido, naturalmente, por uma cintura de serras que será difícil de transpor, se tivéssemos um inimigo resoluto de frente. Reconheci a palhota do régulo por um crânio enfiado em cima de um pau – sem dúvida uma cabeça nossa – troféu de guerra em uso nos jáuas. Atravessaremos as serras amanhã sossegadamente. A região é bem cultivada. 29 de Agosto: Começamos a subida e passamos o desfiladeiro do Nhamuélo (?) a uns 850 metros de altura e descemos nas aldeias dos aliados do Kouemba. A subida foi muito penosa para a artilharia; foi preciso desmanchar as peças. Mas a descida foi muito mais penosa ainda… pois foram necessários 3,30 horas para as peças de 7 cm. Os artilheiros, apesar de terem sido ajudados por pretos, estão positivamente estafados. Acampamos no meio de palhotas incendiadas, perto dum mucurro com águas lindas. Que magnífico prazer beber enfim uma água tão fresca, tão boa… quando a gente se recorda a porcaria dos poços do dia 14. 30 de Agosto: Descanso bem necessário… para os artilheiros, sobretudo. 31 de Agosto: Contornamos os montes de Kouemba e acampamos perto dum riacho. Temos só víveres para seis dias e Deus sabe quantos dias de marcha teremos ainda antes de se chegar a Toumbué. Os soldados europeus estão reduzidos a duas bolachas por dia. É melhor não falar sequer, do rancho dos oficiais; é propriamente impossível. O mestre anda a zombar connosco. A sopa não vale absolutamente nada e a carne nunca é cosida. Por isso o mal humor de cada um é patente. O Major faz uma careta… É a primeira vez hoje que não assiste ao almoço. Cansaço geral, ousaria mesmo dizer desgostos – há nos ares uma desconfiança que comove toda a gente. Não se vêm senão caras arrepiadas, aborrecidas, olhos sonsos, andares incertos. Porquê? Não me pertence dizê-lo… pois não estou certo da causa, mas ela se divulgará daqui a pouco. Há muitos doentes nos carregadores da Companhia – alguns gravemente – que se devem transportar. 1 de Setembro: Há já um mês que deixámos Milange. Quão de pressa passa o tempo, e já quase dois que deixei Nhamacurra. Acabamos de contornar o Nhamoélo e paramos no antigo acampamento inglês. 2 de Setembro: Pequena etapa de 1º quilómetros. Estamos junto ao rio Mluli e não podemos ir mais longe, hoje, pois a água mais próxima fica a grande distância e não chegaríamos lá senão a noite fechada. È melhor pararmos aqui. Amanhã teremos o reverso da medalha e é justo que as tropas descansem para estarem pontas amanhã às 7 horas para uma longa e penosa marcha. O lugar onde estamos deve ter servido também de acampamento à gente de Kouemba, pois encontrámos uma quantidade de fogueiras extintas, de ápios para espingardas segundo os usos dos lomués. Amarga discussão na “messe” dos oficiais, com respeito à futura campanha do Mataka. A maior parte estimam que se se deve julgar pelas dificuldades desta, que lhes reservará a segunda? O receio de todos é que não será possível chegar ao fim, e todas as sortes de considerações lhes vêm ao espírito para apoiar as discussões. Bívar e eu somos de opinião contrária. A grande experiência de Bívar lhe permite levantar o moral de todos os que estariam levados por um pessimismo excessivo. Dia muito quente: o verão aproxima-se. 3 de Setembro: Enorme etapa de 32 a 34 quilómetros. Com grande espanto nosso, encontramos vestígios dum grande acampamento inglês, palhotas destruídas, massaças em grande número, pequeno recinto. O que isto quer dizer? Estes Srs. não partiram no dia 23 de Toumbué, como nos quiseram fazer acreditar, mas bem deste ponto, afastado só de dois dias de marcha, ou, então, se disseram a verdade, nada se compreende! Toda a gente sofreu sede; os pobres dos soldados chegam completamente arruinados de cansaço. Os chefes de secção chegaram só com a metade do seu efectivo, a outra metade arrasta-se na retaguarda e chegará, Deus sabe quando (já noite fechada provavelmente). Almoço e jantar às 7 horas da noite. Os médicos terão trabalho amanhã. O desespero do Major era pungente; ele declarou sinceramente que se fosse preciso irmos ao Mataca nestas condições, não o julgava possível… que isto lhe parecia uma impossibilidade até. O Bívar que não tem papas na língua, que, como paisano goza de mais liberdade e que é ainda o conselheiro técnico em guerras cafreas repreende-o fortemente. Tenho pena do Major, mas não mereceu este raspanço. 6 de Setembro: Passamos no acampamento inglês de Toumbué, pelas 10 horas mas não paramos e prosseguimos a nossa rota até ao lago Chiuta onde acampamos. Depois de termos atravessado uma região desolada, queimada, seca (excepto nas serras do Nhamuélo) duma monotonia desesperada, a vista duma extensão de água regozija os nossos olhos. O Chiuta não é muito grande: alguns quilómetros apenas em comprimento, sobre alguns 1000 a 1200 metros de largura média; as beiras são lisas e de areia lamacenta; o lago é pouco profundo, pois os pretos vão muito longe para pescar havendo só água até aos ombros. Ruínas duma antiga missão inglesa perto do acampamento. A questão dos víveres torna-se cada dia mais crítica: não há mais bolacha, sal, açúcar, café, banha, etc., nem leite (latas) para os doentes. Contávamos encontrar em Napulu as provisões do grande comboio, mas já ouvimos de fonte segura que o tal comboio está desprovido de tudo: nem sequer café, toucinho, chouriço. Exagera-se por prazer no receio de ter que dividir mais tarde? É que o homem torna-se essencialmente egoísta em casos semelhantes. É um pouco humano… infelizmente. Que pensa disto o Major? Que providências tomará ele em presença desta brilhante situação? 7 de Setembro: Descansamos. Recebo pela mala inglesa um telegrama informando-me da partida repentina do meu irmão para Lisboa. Eis uma má novidade para mim. A ausência de qualquer notícia, de explicações, a falta medonha que esta saída vai causar e que é impossível preencher, a penosa situação do Sr. Director da Companhia que vai ficar só para dirigir todos os serviços, a falta de empregados superiores, as dificuldades que não faltarão surgir, tudo isto me põe num tal estado de ansiedade, que não seu qual de cisão tomar. 8 e 9 de Setembro: Descanso. Segundo o pedido que lhe havia feito já anteriormente, o Major decidiu mandar embora todos os carregadores da Companhia. Um maior prazer não me podia ser feito agora, pois não se pode imaginar todos os cuidados que estes carregadores me têm causado… Apesar de ter entregue todos estes homens à disposição do comando do comboio e de estar, pois, descarregado de facto de toda a responsabilidade, não era dispensado de ser considerado responsável do comportamento dos pretos da Companhia. Faziam eles algumas tolices? Não marchavam eles em boa ordem? Deixavam-se andar a roubar alguma coisa: bolacha ou (como impedi-los quando a fome os apoquenta? Durante dias e dias?) Não obedeciam eles às ordens, cegamente, dum oficial ou dum cabo? – que não falavam, naturalmente, a língua de Quelimane – então era comigo que a gente se vinha queixar. Era constante assim entre a árvore e a casca… Precisava-se sempre de um bode expiatório. Dum outro lado, muitos doentes haviam – morriam aos 4 ou 5 por dia! Todos estavam demasiadamente emagrecidos – uns até ao extremo. A assistência médica aos pretos foi defeituosa apesar dos esforços do serviço sanitário. Os pretos, não podendo naturalmente fazer-se compreender, vinham buscar-me, às vezes para queixarem-se, às vezes para explicarem-se. E eu estava muitas vezes em suplícios para me livrar de situações delicadas e difíceis. Prevendo já estas dificuldades, tinha levado comigo, de Namacurra, um empregado europeu, Bastos, e um mozungo, o Romão, que eram especialmente encarregados da vigilância dos carregadores, pois que, tendo os sipaios e o itinerário a meu cargo, não podia ocupar-me doutra coisa por cima. Alguns dias depois da entrega oficial dos nossos carregadores (conjuntamente com os dois empregados) ao chefe do comboio, os tais empregados vieram pedir-me com muito favor de os dispensar de suas funções. A razão? Adivinha-se sem dificuldade. Desde então tudo foi de mal a pior; faltaram cargas, outras foram avariadas ou roubadas; os homens mal comandados e incompreendidos, pois ninguém falava a língua deles, não sabiam a que santo dedicarem-se… Batidos, vinham queixar-se a mim, que nada podia fazer senão referir ao Major, que não fazia caso para não descontentar ninguém. Era “la pagaie” como dizem os franceses… Ora isto não podia continuar assim, tanto mais que não havia mantimentos para assegurar-lhes a comida. O arroz que devíamos receber desde… duas semanas… não estava ainda a caminho provavelmente. Além disso um grande número de carregadores não tinham mais cargas, pois tinham sido utilizadas entre Mecanhelas e Kouemba. Era pois melhor mandar embora estes carregadores todos – agora bocas quase inúteis a nutrir… e foi o que eu pude obter do Comandante, depois de alguma insistência. Romão foi designado para acompanhá-los; guardei Bastos, cujos serviços me podiam ser precisos em caso de emergência, pois eu tinha toda a confiança nele, a dedicação, fossem quais fossem os acontecimentos.



..........................................................................


Continua na próxima mensagem


**************************************************


LEITURAS


Título: Bang-Bang Clube: instantâneos de uma guerra oculta.
Autores: Greg Marinovich & João Silva
Editora: Clube do Autor /// Ano: 2012 /// Género: Autobiografia e reportagem /// Págs: 302






Na fase da transição da ditadura nazificante que imperava na África do Sul do apartheid para a democracia, fase essa que ocorreu entre, mais ou menos, meados da década de 80 até meados de 90 do século passado, assistiu-se ao desmembramento do regime rácico, à libertação de Nelson Mandela, ao estabelecimento do regime democrático dividido na base parlamentar e presidencial e às primeiras eleições democráticas daquele País, em que se assentou na base de "uma pessoa, um voto".

Mas esta transição foi tudo menos pacífica. O Pais esteve à beira da guerra civil, não só pela reacção da comunidade branca mais radical (simbolizada nos bóeres) que se recusava a perder os seus pergaminhos de raça superior, como mesmo entre os negros, onde se distinguia, principalmente, a luta entre as facções dos zulus e dos xosas. Foi uma quase guerra civil suja e surda muitas vezes, contabilizando-se as mortes aos milhares e os feridos incontáveis. O ódio racial ou étnico veio ao de cima quase partindo ao meio um País, apesar dos esforços das facções mais moderadas respectivamente lideradas pro Nelson Mandela e Philipe de Klerk.


Morte de Ken Oosterbroek nos conflitos de Thokoza


É todo o horror desta quase guerra civil surda e suja, em toda a sua nudez e crueza, que nos é relatado neste livro, na primeira pessoa. O "Bang-Bang Clube" foi o nome dado a um grupo de quatro amigos, que tinham em comum o serem sul-africanos, jornalistas e fotógrafos de guerra, estarem quase sempre juntos e terem coberto, em caneta e em máquina fotográfica, os  acontecimentos desse trágico período.


Greg Marinovich, João Silva, Kevin Carter e Ken Oosterbroek são o grupo dos quatro fotojornalistas que entraram na História sul-africana ao cobrirem os acontecimentos da História  da África do Sul naqueles trágicos tempos. Destes, dois já morreram (Kevin Carter, por suícídio (1994) e Ken Ooosterbroek, atingido por bala quando fazia uma reportagem de combates em Thokoza(1994)) e os outros dois ficaram com marcas de guerras que cobriram, quer no seu país quer fora. Nos combates de Thokoza (África do Sul, 1994) Greg Maronovich acabou ferido num pulmão que perdeu definitivamente e João Silva perdeu as duas pernas derivado da explosão duma mina quando cobria a guerra no Afeganistão (2010).




Uma reportagem sobre o "Bang Bang Clube",
entrevistando os dois sobreviventes do grupo

Um livro cuja leitura eu recomendo, porque foi escrito por dois homens que foram testemunhas incríveis dos momentos mais dramáticos da transição política sul-africana. Bem documentado fotograficamente, com um pequeno glossário dos termos sul-africanos aplicados nos textos, dotado ainda duma cronologia dos factos mais importantes daquela época este livro é, sem dúvida, um elemento essencial a quem se queira documentar devidamente sobre o que se passou naqueles conturbados tempos em que a democracia teve que caminhar pelo afiado fio da navalha para chegar ao seu destino.


****************************************************


FOTOGRAFIA

"Uma imagem vale mil palavras"


Local: Sudão  /// Ano: 1993 /// Autor: Kevin Carter


Esta fotografia foi tirada pelo fotojornalista de guerra Kevin Carter, um dos membros do Bang-Bang Clube, no Sudão, em 1993. A criança aqui fotografada lutava para não morrer enquanto tentava atingir um campo de refugiados e o abutre aguardava pacientemente que ela parasse de se mover para a poder comer. Posteriormente veio-se a apurar que a criança chamava-se Kong Nyong e que sobreviveu até 2007, altura em que faleceu "de febres", segundo relatou o pai. (Fonte: jornal "Público " de 21/02/2011)

Kevin Carter na altura em que fotografou esta imagem não se preocupou em salvar a criança, tendo-se retirado sem praticar qualquer gesto humanitário na mesma. A fotografia correu mundo, tornou-o ainda mais célebre do que já era e deu-lhe um Prémio Pullitzer no ano seguinte. Mas também a fotografia o anatemizou e, por todo o Mundo, ele foi apelidado de "abutre", por não ter feito um qualquer simples gesto para salvar a criança, mesmo depois de a ter fotografado como, por exemplo, pegar nela e entregá-la num campo de refugiados.


Kevin Carter

Kevin Carter refugiou-se na justificação que um fotógrafo não interfere com o acontecimento, limita-se a registá-lo, tese esta que é, aliás, defendida por muitos. Mas não sobreviveu muito tempo à fama. Três ou quatro meses depois de ter recebido o prémio, sobrecarregado de dívidas, completamente dependente das drogas duras e do álcool, sem trabalhos à vista com que pudesse angariar o seu sustento, fechou-se na sua carrinha e, ligando uma mangueira ao tubo de escape, deixou entrar o monóxido da carbono na cabine e partiu deste mundo a ver a paisagem perto de sua casa, em Joanesburgo. Tinha 34 anos. Deixou uma nota escrita onde referia: "Cheguei a um ponto em que a dor da vida suplanta a alegria ao ponto em que a alegria não existe... Sou perseguido pelas recordações intensas de mortes e corpos e ira e dor e sou perseguido pela perda do meu amigo Ken." A sua actividade como repórter de guerra, a sua ascensão e queda bem como as causas do suicídio encontram-se devidamente relatados por Greg Marinovich e João Silva, no livro acima referido "Bang Bang Clube"


*****************************************************

FILME


As quatro penas brancas



Produção: JAFilms Realização: Shekhar Kapur  Género: Acção e aventura
Época: Finais do século XIX   Locais de acção: Inglaterra e Sudão
Actores: Heath Ledger, Kate Hudson, Wes Bentley, Djimon Hounson e Michael Sheen
Tempo: 125 minutos  Ano: 2003 Obs: legendado em português



O Sudão foi,  no século XIX (e não só) um ponto fulcral de passagem das várias correntes exploratórias dos europeus, que ali confluiam vindos do Egipto (Norte) dos Grandes Lagos (Sul) ou do Lago Chade (Oeste). A sua posse territorial levou a conflitos entre potências europeias e o sei domínio territorial levou à morte bastantes exploradores e militares.



Trailer de apresentação do filme
"As quatro penas brancas"



"As quatro penas brancas" é um filme que nos faz balançar entre a Grã-Bretanha e o Sudão, nos finais do século XIX. Trata-se dum belo filme épico de aventuras,  que aborda o tema da cobardia e da coragem, da amizade e da loucura. Quando, por amor, o jovem tenente Harry Favershan abandona a Companhia prestas a embarcar para o Sudão, acaba por receber quatro penas brancas dos seus três amigos mais chegados e da sua namorada, como símbolo de o considerarem um cobarde. Quando os seus amigos sofrem vicissitudes  nas campanhas militares sudanesas, Harry Favershan, dotado doutra identidade vai ao Sudão e mergulha no abismo e no caos em que aquele território se encontrava atolado em busca da salvação dos seus amigos e da sua própria redenção.


Um belíssimo filme de aventuras, bem interpretado, dotado de diálogos consistentes, com uma belíssima fotografia, planos muito bem concebidos, o que me leva a recomendar o seu visionamento.


****************************************************


MÚSICA


John Lord faleceu em Londres, aos 71 anos de idade, vitimado por doença. Compositor e instrumentista (teclados) celebro, na sua folha de serviços, o facto de ter sido, em 1968, um dos fundadores dos Deep Purple, uma banda de rock que fez parte dos meus sonhos de adolescente. (RIP). Com os "Who", os "Deep Purple" faziam a minha dupla de delícias do rock.


Jon Lord

////////////////////////////////////////////////////////////


E já que falamos de sonhos musicais da minha adolescência trago à baila um conjunto sul-africano que, em Moçambique nos enchia as medida (na altura) a nós putos adolescentes, nem que fosse pelo porte gracioso da sua vocalista. Falo dos "Four Jacks and a Jill", uma banda musical que conseguiu romper as barreiras do isolamento a que o seu País sofria, fruto da política do apartheid. Criados em 1965, composto por quatro rapazes e uma rapariga (daí o nome do grupo), tiveram três hits que lhes deram fama além-fronteiras: "Mr. Nico", "Master Jack" e "Thimoty", músicas estas que entraram no top da norte-americana Bilbord.



"Master Jack"



Composto inicialmente por uma banda de rock denominada "Zombies", em 1964, no ano seguinte integrou-os Glenis Lyne, como vocalista, e o grupo renomeou-se de "Four Jacks and a Jill" abandonando a imagem de marca dos cabelos compridos e roupas de cabedal; trocando por uma apresentação mais clássica ou, como de diz agora, mais "betinha".




Mr. Nico



Efectuaram diversas digressões à volta do planeta e, ainda no ano passado, actuavam em espectáculos de solidariedade humana e noutros cuja receita revertiam para o combate contra a crueldade animal. Contabilizando mais de 3.500 actuações ao vivo e dezenas de álbuns gravados, são considerados o grupo mais popular da África do Sul, desde sempre.


**************************************************


PORQUE SÓ HÁ UM PLANETA


Ao navegar na rede, tropecei nesta bela fotografia, no "jansenista.blogspot.pt" que contém um pequeno texto explicativo da imagem referindo que esta escultura é dum arrtista chinês (não refere o nome) e que simboliza o anti-capitalismo. O touro será a euforia bolsista (bull market) e o homem o investidor.





Para mim que vi a fotografia antes de ler o texto explicativo, interpretei-a como uma apologia anti-touradas. Afinal enganei-me.


/////////////////////////////////////////////////////////////


Este vídeo aborda o tema da pirataria somali e dos interesses que se movem por detrás deste evento, no litoral do Corno de África. Realmente, o que me faz sorrir com tristeza, é que a lavagem ao cérebro de todos nós continua, nestes regimes democráticos do Hemisfério Norte. Só que já não é duma maneira tão brutal como no tempo do nazismo ou doutras ditaduras do século XX. Agora lavam-nos o cérebro mais sofisticadamente. Por outras palavras um pouco mais rudes: já não põem areia na vaselina que usam para nos sodomizarem. Mas, por isso mesmo, são muito mais perigosos.


"A verdade sobre os piratas da Somália"
Realização de Juan Falque (2011)


Conseguem pôr-nos a clamar contra "os pretos, que não se entendem e que se comem uns aos outros", e que se não fossemos nós (os da Europa ou da América civilizada) aquilo ainda seria pior. Se é verdade que os africanos ainda têm um longo caminho a  percorrer por culpa deles mesmos (não vale a pena tentar esconder a Sol com a peneira), também é verdade que nós, os do Hemisfério Norte (e agora com a ajuda acrescida da China) damos uma ajuda à continuação daquela turbulência.


/////////////////////////////////////////////////////////////////////////


A PSP colocou ao seu serviço cinco viaturas eléctricas, integrando-as no programa "Escola Segura". Segundo a notícia tornou-se na primeira força policial do mundo a adoptar esta medida. Esperemos que não se fique só por aqui. Para além de emissão de carbono zero para a atmosfera também representa uma economia em combustível. Não é difícil de perceber, mas ecologia também é riqueza.


**************************************************


ACONTECEU





Esta semana Nelson Mandela celebrou o seu nonagésimo quarto aniversário. Há dois políticos cuja vida e actividade eu reputo de fabulosos e cujas biografias se confundem com a História dos seus países: Winston Churchill e Nelson Mandela.





Infelizmente, para África em particular e para o Mundo, no geral, só há um Mandela. Só daqui a uma ou duas gerações é que a Humanidade se irá aperceber, verdadeiramente, do excepcional legado que este Homem nos deixou.



E já agora, porque será que em Lisboa ainda não foi atribuída a uma avenida ou rua o nome deste deste gigante político do século XX? Andam distraídos os membros da comissão toponímica de Lisboa. Eu já mandei para lá a sugestão. 

/////////////////////////////////////////////////////////////////





Morreu José Hermano Saraiva. Palavras para quê? É a lei da vida. Mas este Historiador vai ficar para a História não só como o grande comunicador que foi, sem dúvida alguma, mas também como o homem que atravessou e uniu várias gerações a ensinar a História de Portugal. Sem complexos.  




Integrava, juntamente com Veiga Simão e Adriano Moreira, o triúnviro ex-ministerial que, tendo servido na Ditadura, adaptaram-se aos novos ventos da História abrilina, sem claudicarem das suas convicções políticas. Como Ministro (1968/1970) inaugurou a Biblioteca Nacional. Foi um Homem que, com passagem pela advocacia, dedicou a sua vida ao ensino, à comunicação com as massas anónimas* e à publicação de dezenas de livros, reportagens e programas didácticos que muito nos ensinaram sobre a História do nosso País.


Num tempo em que o facilitismo bacoco se instalou na nossa sociedade, num tempo em que o derrube de barreiras das fronteiras, do ser, estar e pensar português e em Portugal são feitas em nome de novas teorias ideológicas que mais não são do que "teorias idiotológicas", podemos dizer que Homens como José Hermano Saraiva houveram e que lutaram até ao fim pela dignidade dum País. Ainda agora partiu e que falta que ele já nos está a fazer.

Por isso, independentemente das divergências políticas, curvo-me perante a sua memória. RIP. 

...................................................................

* - Não confundir com os políticos actuais que comunicam é com ma$$as anónimas.


*******************
***********************************************
*******************


Recuse-se a escrever os seus textos segundo as normas do Novo Acordo Ortográfico. Não se conluie com os vendilhões da nossa língua.


(araujo.wordpress.com)


///////////////////////////////////////////////////////////


As referências aos produtos acima referidos (livros, filmes, músicas, etc.) são incompatíveis com intuitos publicitários de carácter comercial. Reflectem, apenas, a opinião do Autor.




////////////////////////////////////////////////////////////


As fotos e os vídeos constantes no presente texto foram colhidas, respectivamente, do Google Imagens e do Youtube.


//////////////////////////////////////////////////////////////

E agora... até à próxima.
Ah! Já me esquecia... vou de férias!
Hummmmmmm... tão bom.


.... mas prometo voltar, para vosso desgosto




Oh, não... afinal, ele vai voltar.