"O Mundo não é uma herança dos nossos pais, mas um empréstimo que pedimos aos nossos filhos" (Autor desconhecido)

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Théodore Monod

Viajantes, aventureiros e exploradores

Théodore André Monod - (Ruão 09/04/1902 - Versalhes, 22/11/2000). Considerado o maior explorador e especialista francês do deserto sahariano do século XX, foi um naturalista, escritor, cientista, antropólogo, humanista e pacifista, que deixou um legado de mais de 1.000 publicações entre livros, artigos de imprensa, sebentas e cadernos de anotações. Apaixonado, desde miúdo, por tudo o que se relacionasse com os diversos campos da Natureza ,vem a licenciar-se em Ciências Naturais.

Em África começa a sua carreira de pesquisador naturalista na Mauritânia (1920), onde trava conhecimento com a vida no deserto, que o apaixona desde logo. Dois anos mais tarde assume funções de assistente no Museu Nacional de História Natural de Paris. 

Em 1927 integra uma expedição científica que liga Argel a Dacar, via Timbuktu, atravessando o deserto do Sahara. Pelo caminho reunirá uma impressionante colecção de pedras e plantas do deserto. Será também neste ano que Théodore Monod fará a descoberta do "Homem de Asseldar", um esqueleto do período de Neolítico, com cerca de 6.500 anos, quando percorria o maciço de Adrar Ifhogas, no nordeste maliano.

Estabelece-se em Chinguetti (1934), uma cidade localizada no planáltico deserto de Adrar, na Mauritânia, a fim de tentar localizar um meteorito que, na sua opinião, teria caído por aquelas áreas. Este meteorito, nunca encontrado, será novamente razão da sua obsessão na recta final da sua vida de aventureiro. 

Em 1938, muda-se para a colónia francesa do Senegal, onde  funda, em Dacar, o Instituto Francês da África Negra, com o objectivo de efectuar estudos sobre todas as vertentes dos povos africanos existentes na zona sub-sahariana. O eclodir da II Guerra Mundial atrasou estes seus objectivos e, aderindo à facção do General Charles de Gaulle que resistia aos nazis,  acaba por criar um núcleo de apoio à resistência francesa das Forças Francesas Livres nesta colónia.

Opositor do Governo de Vichy, governo este que era um fantoche dos nazis, Théodore Monod, que estava casado com uma judia, emite semanalmente as suas crónicas radiofónicas de apelo à resistência, em Dacar, crónicas essas que, posteriormente serão compiladas num livro. Em 1944, quando o General Charles de Gaule visita Dacar, Théodore Monod será o seu anfitrião. Após o findar do conflito mundial, Théodore Monod retoma a liderança do Instituto, que é composto por três departamentos: Geografia, Ciências Humanas e Ciências Naturais. Desencadeia uma actividade científica notável, lançando um Boletim, apoiando outras publicações de carácter científico, realizando conferências e criando dois museus na ilha de Gorée (localizada na baía de Dacar): o Museu do Mar e o Museu Histórico. Deixou as funções deste Instituto em 1963, altura em que foi eleito para a Academia de Ciências, em Paris.

Em 26 de Outubro de 1948 realiza, juntamente com August Picard, o lendário oceanógrafo e balonista, o primeiro mergulho de batiscafo (FNRS II), ao largo da ilha Boavista, em Cabo Verde, tendo mergulhado a 25 metros.

Dotado de uma resistência física espantosa, levou as décadas de 50, 60 e 70 a percorrer, em diversas direcções, todo deserto do Sahara, sempre a pé ou de camelo. Em 1954 atravessou a Mauritânia para o Mali, sem ter levado uma gota de água consigo, num percurso de  900 quilómetros (600 milhas). Esta lendária travessia do deserto do Majâbat al-Koubrâ, que tem uma extensão de 1.000 quilómetros de comprimento por 500 de largura, e é considerado o deserto dos desertos do Sahara e comparável ao Rub al-Khali da Arábia Saudita, dará mais tarde origem a um livro (ver item "leituras").

Foi um notável explorador sahariano recolhendo, ao longo das suas peregrinações, inúmeros fósseis, plantas, animais que catalogava e remetia para os institutos científicos, para posteriores estudos. Dominando os dialectos locais, travou amizade com as populações saharianas, convivendo com as mesmas como se fosse um deles. Serviu de apoio a muita expedições arqueológicas daquele deserto, que mapeou exaustivamente.

Outra característica fundamental do seu perfil foi o seu pacifismo militante. A sua ligação de amizade a intelectuais e religiosos, quer cristãos quer islamizados, levou-o a opôr-se, por exemplo, à guerra da Argélia, o que o levou a assinar o "Manifesto dos 121", que apoiava a FLN revolucionária. Jejuava todos os dias 06 e 09 de Agosto (dia de aniversário dos bombardeamentos atómicos de Hiroshima e Nagasaky, na II Guerra Mundial) num movimento de protesto contra as armas nucleares. Aderiu a manifestações que denunciavam o racismo, o apartheid, as armas nucleares e a exclusão social. Era um inconformado e como ele próprio afirmou: "A tecnologia esteve de tal modo presente na guerra do Golfo que se falou em "guerra limpa". Tais teorias conduzem-nos ao abismo e à autodestruição. Os jovens devem rapidamente tomar a dianteira. Infelizmente verifico que, por vontade própria, se deixam intoxicar pela propaganda do Estado. Em todo o caso, espero deles uma revolta interior".

Vegetariano e ambientalista convicto subscreveu todas as formas de lutas que pusessem em causa o equilíbrio entre a Natureza e o Homem. Respeitador da vida em todas as suas maneiras, condenava as touradas e a caça, esta enquanto desporto. Presidiu à Comissão Científica ProAnima, uma organização que se opunha à experimentação animal e à vivissecação e exigia ciência com consciência. Em sua honra a ciência atribuiu o seu nome a vários géneros e espécies de flora e fauna.

Tardiamente descoberto para o grande público, só na década de 90 é que uma reportagem televisiva o alcandora ao conhecimento de todos.

Entre 1993/94 volta a cruzar o Majâbat al-Koubrâ, o violento deserto que atravessara 40 anos atrás sem levar uma gota de água, como forma de despedida de toda uma vida de aventura. Em meados dessa década (1995) ainda se desloca ao Iémen e, no ano seguinte, faz a sua última viagem ao seu amado Sahara no deserto do Tibesti (Chade), antes da cegueira o atingir plenamente.

Relembro aqui um soneto da sua autoria, escrito em Dar-es-Salam em 1963:

"O inexorável Tempo ao vento da tarde leva,
Em furacão soprando já por montes e vales
Os nossos velhos amores e as nossas novas concepções
Com a jovem flor a folha já morta.

O sangue demasiado generoso e a seiva demasiado forte
A trouxe-mouxe prometidos aos gelos das cavernas,
Com tanto labor, esperanças e trabalhos!
Vamos... basta de demoras... Para fora! É preciso
Irmos lá para fora.

Já que é preciso que em breve e sem demora morramos,
Já que a noite desce e já que o sono
Sobre nossos cânticos se fecha, e já que a morada

Dos nossos terrestres corpos em pó se vai tornar,
Saberemos desaparecer, pelo menos, frente ao Sol?
Irá, este olho sangrando, responder às nossas tumbas?"

Teve uma morte estúpida, em Versailhes, resultado duma queda. Estúpida porque longe do seu amado Sahara. Lamentavelmente, não morreu num dos quaisquer desertos do Sahara. Seria um túmulo mais que justo.

Historiando Moçambique Colonial

Moçambique, origem do nome - Segundo recolha popular, feita por missionários, a palavra "Moçambique" é a forma aportuguesada de Mussa-ibn-M´Biki (M´Biki, filho de Mussa), pescador nativo que tomou posse da ilha que hoje é conhecida por esse nome, muito antes da chegada dos portugueses. Antes dele a ilha fora pertença dum outro pescador, de nome Muhípiti. Como esta ilha foi das primeiras localidades onde os portugueses se instalaram, estes acabaram por alargar este nome para definir todo o território da costa oriental africana, a Sul de Zanzibar. 

Moçambique, Ilha de - Situada no Oceano Índico, no cruzamento das coordenadas 15º02´ de Longitude Sul e 40º44´ de Latitude Este e a cerca de cinco quilómetros do continente, na actual Província de Nampula, contando com cerca de três quilómetros quadrados de superfície, esta pequena ilhota do Índico viu, pela primeira vez, uma armada europeia no dia 03 de Março de 1498, quando Vasco da Gama por lá passou, na sua primeira viagem marítima para a Índia sendo, nessa altura, governada pelo Xeque Zacoeja, avassalado a Quíloa. No entanto, não foi através dos portugueses que esta ilha entrou nos anais da História, mas sim através dos árabes, que ali se encontravam instalados quando criaram o seu império talassocrássico no Oceano Índico. Saídos da Pérsia e da Arábia instalaram-se, inicialmente, junto ao Mar Vermelho. Descendo pela costa oriental africana, os árabes foram criando uma miríade de feitorias, sultanatos, xecados e estados independentes, ao longo dos séculos (Mombaça, Quíloa, Zanzibar, ilha de Moçambique, Angoche, Quelimane, Sofala, entre outros), criando uma teia de circuitos comerciais marítimos pujantes, originária duma burguesia aristocrática baseada nas alianças inter-árabes. No entanto, durante o domínio árabe, a ilha de Moçambique não atingiu o apogeu doutras feitorias irmãs, fruto da sua diminuta extensão geográfica e falta de água potável servindo, essencialmente, apenas de escala de apoio aos navio árabes. Em 1506 os portugueses ocupam-na "para as naus que ali fossem acharem mantimentos" (Fernão Lopes Castanheda / "História do descobrimento e conquista da Índia pelos portugueses") e, fruto da sua localização geográfica, transformam a ilha em base de apoio às naus que demandavam a Índia, tal como os árabes o tinham feito e também para fazer frente à actividade mercantil de Zanzibar. Assim, no ano seguinte, dão início à construção dum hospital e da pequena torre de São Gabriel, exactamente no mesmo sítio onde se situa a capela do Palácio de São Paulo, instalando aí 15 homens para a defesa da feitoria. Apesar dos incidentes iniciais, decorrentes da instalação dos portugueses que originou, da parte destes, no bombardeamento do Mossuril e das Cabaceiras por causa da água que lhes foi negada, conseguiram utilizar a feitoria como armazém de géneros alimentícios e água para apoio às naus que demandavam a Índia, entreposto de correio e recolha de informações sobre o interior do continente. " A qual povoação de Moçambique tomou tanta posse de nós que é hoje a mais nomeada escala de todo o mundo e...... poucas cidades há no reino que de cinquenta anos a esta parte enterrassem em si tantos defuntos como ela tem dos nossos." (João de Barros / Décadas). Posteriormente as naus começaram ali a invernar, quando perdiam as monções tendo, inclusivamente, sido montada uma caravela que viera do Reino aquartelada, para além da reparação e calafetagem das naus danificadas nas viagens, o que acabou por originar a criação duma estação naval com o respectivo arsenal, que se manteve até ao século XX. Em 1558 iniciaram-se os trabalhos para a construção da fortaleza de São Sebastião, pensada 20 anos antes, uma das mais importantes obras da engenharia portuguesa no Oriente. Existia, nessa altura, como defesa do porto, apenas um pequeno baluarte artilhado, situado ao lado da capela da Nossa Senhora do Baluarte, único exemplar da arquitectura manuelina, construída entre 1521 e 1522. Lentamente começa a ascensão comercial da ilha de Moçambique, servindo de entreposto para troca de panos e missangas da Índia, por escravos, ouro, marfim e madeiras (essencialmente pau-preto). Em Junho de 1604 a ilha é atacada por uma armada holandesa comandada por Steven van der Hagen, mas os portugueses conseguem resistir com êxito, obrigando aqueles a levantarem o cerco e acabando por seguirem para a Índia. Por mais duas vezes os holandeses tentaram tomar de assalto a ilha de Moçambique, durante o governo de Dom Estevão de Athaíde, com o fito de expulsarem os portugueses e aí criarem uma feitoria própria para servir de entreposto comercial à sua Companhia Concessionária das Índias Orientais, ataques esses que mediaram entre Março e Maio de 1607, sendo a armada holandesa comandada por Paul van Caerden e entre Julho e Agosto de 1608, mas acabaram sempre derrotados, o que levou os holandeses a rumarem para o Sul do continente e a fixarem-se numa zona onde hoje se situa a Cidade do Cabo (Cape Town). A reconstrução da ilha, totalmente arrasada pela intervenção militar holandesa, leva os portugueses a construírem, entre outras obras, a Santa Casa da Misericórdia, que exerce a função paralela de Câmara Municipal, até 1763. No início do século XVIII a ilha de Moçambique encontra-se totalmente decadente e em quase estado de abandono, com uma economia estagnada e uma governação corrupta e decrépita, o que obriga o governo de Lisboa a repensar a sua política ultramarina, descentralizando Moçambique do governo da Índia, à qual desde sempre esteve sujeita. Goa protestou, pois via nessa autonomização uma perca de mercado, para além duma zona privilegiada de colocação de empregos e tráfico de influências. Após 1752, com a reforma do Marquês de Pombal, sustentada pela promulgação do decreto-régio de 19 de Abril desse mesmo ano, o território de Moçambique autonomiza-se da Índia, de quem dependia política, administrativa, financeira e militarmente, tendo sido nomeado, como primeiro Governador desta nova situação política, Francisco de Melo e Castro. O referido decreto, assinado pelo Rei Dom José I, determinava ao Vice-Rei da Índia: "Dom José, por graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, d´Aquém e d´Além Mar em África, Senhor da Guiné, etc.. Faço saber a vós, Marquês de Távora. Vice-Rei e Capitão-General do Estado da Índia, que por me ser presente a decadência do governo de Moçambique, e que será mais conveniente separá-lo do de Goa para o seu restabelecimento: fui servido, por decreto de 19 de Abril próximo nomear para governador e capitão-general de Moçambique, Rios de Sena e Sofala, Francisco de Mello e Castro, que está governando aquela Praça por nomeação vossa para que sirva o dito governo pelo tempo de três anos e mais, enquanto não lhe mandar sucessor com o soldo em cada um deles de oito mil cruzados, não ficando por ora sujeito às vossas ordens, como lhe mandei declarar na sua patente e ao dito governador e capitão-general obedecerão todos os demais governadores, capitães-mor, ministros e outros quaisquer oficiais que houver nos referidos distritos de Moçambique, Rios de Sena e Sofala e suas dependências. De que vos aviso para que tenhais entendido a resolução a que fui servido tomar nesta matéria. El-Rei, nosso senhor, o mandou pelos conselheiros do seu Conselho Ultramarino abaixo assinados e se passaram duas vias. Caetano Ricardo Silva a fez em Lisboa, 09 de Maio de 1752. - O Secretário, Joaquim Miguel Lopes do Lavre, o fez escrever.  - António Francisco de Andrade - Fernando José Marques Bacalhau." A 23 de Abril do mesmo ano, novo decreto-régio limitava a independência de Moçambique ao sector administrativo, mantendo-se subordinado no restante ao Governo da Índia, por o Rei de Portugal informar Francisco de Mello e Castro de que: "Fui servido nomear-vos governador e capitão-general de toda a costa desde a baía de Lourenço Marques até cabo Delgado e de todo o interior do País, não só da minha dominação, mas também do mais que conquistardes, ficando por ora independente do governo de Goa e jurisdição do Vice-Rei, excepto na administração do comércio, de que estais encarregado...". No entanto este decreto apenas contemplava a autonomia administrativa e defesa territorial. Só em 1756 é que foi concedido ao Governo de Moçambique a autonomia financeira em relação ao Governo de Goa. Face à sua pequena extensão territorial e crónica falta de água doce, os habitantes da ilha dependiam do continente para buscarem géneros alimentícios, pelo que existiam alguns povoados, habitados por mestiços e indianos nas Cabaceiras, no Mossuril e no Lumbo, ficando os portugueses acantonados na ilha, apesar de terem, naquelas localidades, palmares. O Governador-Geral Melo e Castro ordenou a construção, em 1753, do forte de São José, no Mossuril, a fim de proteger as povoações continentais. Após a expulsão dos jesuítas, os governadores instalaram, a partir de 1765, a sua residência e serviços administrativos no colégio de São Paulo, que aqueles religiosos tinham na ilha. Em 1761, por carta-régia, a ilha foi elevada à categoria de vila, que assume no pleno dois anos depois, ascendendo a cidade em 1818. Dois anos mais tarde, por impulso de João da Costa Brito Sanches, reconstruiu-se o fortim de Santo António, onde foi erigida uma minúscula capela àquele santo (daí o nome do fortim), aproveitando uma bateria já aí existente desde 1758, mandada construir pelo Capitão-General Pedro de Saldanha de Albuquerque na contra-costa da ilha, de formato quadrangular e só com artilharia na muralha virada para o mar o que ampliou, de sobremaneira, as capacidades de defesa da ilha pois, o cruzamento do fogo conjunto das peças dos três fortes - São Sebastião, São Lourenço e Santo António - tornava muito difícil a aproximação de barcos inimigos. No decurso do século XIX a ilha torna-se num importante entreposto negreiro, sendo os principais mercados terminais as colónias insulares francesas no Índico e o Brasil. Com o advento do liberalismo, em 1834, a ilha de Moçambique abre-se, muito lentamente aos africanos, permitindo aí a sua instalação, bem como aos árabes e goeses, marginalizados para o continente. Com efeito, sendo a ilha considerada, toda ela, uma praça militar, era interdita a não brancos a sua vivência aí, onde ninguém entrava nem saía sem autorização governamental, incluindo os brancos. Até finais deste século XIX foi, para além de entreposto negreiro, capital da colónia, altura em que perdeu este último estatuto para Lourenço Marques. Em 1948 a ilha saiu do seu torpor quando, a pedido da comunidade indiana aqui residente, o paquete "Tairea", da Companhia British India, aportou ali. O navio transportava cinzas de Mahatma Gandhi, com destino à África do Sul, a fim das mesmas serem lançadas ao mar, como homenagem ao facto deste ilustre personagem ali ter vivido vários anos. A ideia desta paragem excepcional do navio na ilha, partiu de Mangi Parsotam, gerente da firma H. Damodar Anandji, que dirigiu um convite às entidades oficiais e ao comércio local, que se fizeram representar no cortejo, bem como autoridades eclesiásticas. A urna foi levada de bordo ao templo indiano, tendo-se realizado uma cerimónia fúnebre, conforme os preceitos hindus. Com o desenvolvimento do porto de Nacala e a linha férrea a ligar o litoral ao interior, a ilha de Moçambique perdeu toda a sua importância, restando-lhe o turismo e a pesca como fonte de subsistência. Em 1967 a ilha volta a acordar da sua letargia crónica, com a inauguração da ponte que a ligava ao continente. O Almirante Sarmento Rodrigues, que fora Governador-Geral de Moçambique, era um apaixonado pela ilha e foi o grande impulsionador para a construção desta ponte. Após a independência, com o eclodir da guerra civil que assolou todo o território, a ilha tornou-se ponto de refúgio a muitos fugitivos, o que veio aumentar, pela negativa e de forma drástica, a sua componente demográfica, para dezenas de milhares um exíguo território calculado para não mais de três a cinco mil almas. O rompimento de todas as infra-estruturas, desde a canalização de água, saneamento, electricidade, rede telefónica, a manutenção da própria ponte que a liga ao continente, foram as conclusões mais que óbvias. Em 1993, apesar de estar totalmente degradada e apenas ser uma pálida ideia do pujante caldo de culturas que, apesar de tudo, fora antes da independência, a UNESCO declarou-a Património da Humanidade.

Moçambique, Brasão de armas da ilha/cidade de - Fundo vermelho com castelo de ouro aberto e iluminado de vermelho. Em chefe dois escudetes de prata carregados de um feixe de sete flechas de verde atadas a vermelho. A coroa mural de prata apresenta cinco torres e o listel branco tem gravado a negro e em reprodução de um verso dos Lusíadas, de Luís de Camões: "Esta Ilha Pequena Que Habitamos".

Moçambique, Brasão de armas da Colónia/Província de - O brasão que define as armas de Moçambique foi criado em 1935 e é composto, no seu núcleo, por um escudo dividido em três campos tendo, no primeiro campo, as cinco quinas de Portugal em azul contendo, cada uma delas, cinco moedas em prata e simboliza a soberania portuguesa no território; no segundo campo surge o símbolo de Moçambique, composto por sete flechas em verde e atadas com uma fita em vermelho, em homenagem à ilha de Moçambique, por ter sido onde se instalou o primeiro governo do território. O terceiro campo simboliza o mar, representado por cinco faixas onduladas em verde assentes em campo de prata. Este escudo central, que é arredondado em semi-círculo na base, assenta sobre uma esfera armilar (que representa a universalidade portuguesa) e, sobre esta, na sua parte superior, encontra-se uma coroa de ouro composta por cinco torres ligadas por quatro muralhas de negro existindo, em cada torre, uma pequena esfera armilar e, nas muralhas, a cruz de Cristo. Por baixo da esfera armilar existe uma faixa branca com a gravação de "Colónia de Moçambique", na altura da sua criação e, mais tarde, alterada para "Província de Moçambique".

(Continua)

Leituras

Théodore Monod (acima referido) deixou-nos cerca de uma vintena de livros. Destes possuo quatro, todos em versão portuguesa e editados pelas Publicações Europa-América, que são: A) "Os navegantes do deserto" que reporta a sua vida entre os anos de 1922 e 1936 e o seu constante caravenar cameleiro pelo Sahara. (1999; 218 págs.); B) "Majâbat al- Koubrâ - o fascínio do deserto" que relata a expedição que efectuou neste deserto no biénio de 1954/55, deserto este que liga o Sahara da Mauritânia com o Sahara do Mali. (1998; 216 págs.); C) "O explorador do absoluto" onde o Autor nos presenteia com a sua forma de pensar filosófica enquanto Homem de deserto (1998; 133 págs.); D) "A esmeralda dos garamantes - recordações de um sariano" (2001; 324 págs.) que é um percorrer memorialista de toda a sua vida desde a sua juventude até à década de 80. 


Poemas escolhidos


Grito Negro

Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
E fazes-me tua mina
Patrão.

Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão
Para te servir eternamente como força motriz
Mas eternamente não
Patrão

Eu sou carvão!
E tenho que arder, sim
E queimar tudo com a força da minha combustão.

Eu sou carvão!
Tenho que arder na exploração
Arder até às cinzas da maldição
Arder vivo como alcatrão, meu Irmão
Atém não mais ser a tua mina
Patrão!

Eu sou carvão!
Tenho que arder
E queimar tudo com o fogo da minha combustão.

Sim!
Eu serei o teu carvão
Patrão!

Fonte: Extraído do livro "Xigubo" de José Craveirinha.

Documentário

Sobre Théodore Monod há o registo de quatro documentários televisivos. Dois deles são da autoria de Karel Prokop, subordinados aos títulos "O velho e o deserto" (1988; 54 minutos) e "O velho e o meteorito do deserto" (1989; 56 minutos); outro é da autoria de Jacques Oger titulado de "Théodore Monod, um nómada entre o Céu e a Terra" (1995; 60 minutos) e o último, da autoria de Maximilien Dauber, é "Theodore Monod, senhor do deserto"  (2007; 52 minutos) que se reporta à última viagem deste grande explorador ao deserto do Tibesti, no Chade, em 1996.  

Imbecilidades

Esta história da CGTP-IN ir apresentar uma queixa crime contra João Proença, Secretário-Geral da UGT, é duma imbecilidade de todo o tamanho. Depois dos insultos que a Intersindical anteriormente tinha chamado ao João Proença, só faltava esta. Para além de dar uma triste imagem do movimento sindical, quem deve ficar contente é o sector patronal. Nada como dividir para reinar, ainda por cima numa guerra que não compraram. Será que a CGTP agora, deixou de ser uma correia de transmissão do Partido Comunista e tornou-se numa correia de transmissão dos patrões? Com tanta teoria da conspiração que há por aí não me admirava nada.

Eduardo Catroga, o "Pintelho Eléctrico"´, devia ter mais cuidado com a língua, quando a usa para falar. Esta de vir dizer que "Eu nem sou do PSD" (para justificar as polémicas nomeações para a EDP, após a privatização da mesma) (Sábado nº 403) é duma imbecilidade total. Se ele não é do PSD o que anda a fazer no mundo laranja? Será que o "Avô Cantigas Remix" deixou de ser adepto da laranjada e passou-se para o vodka dos comunistas? Com tanta teoria da conspiração que há por aí não me admirava nada.

Torres Couto criticou ásperamente João Proença por este ter assinado o Acordo de Concertação Social. Mas este tipo é imbecil ou é amnésico? O que é que ele fez quando era Secretário-Geral da UGT e Cavaco Silva era Primeiro-Ministro? Que acordo é que ele assinou? Até brindou com vinho do Porto. Não sabe estar calado? Há pessoas que, por vezes ou quase sempre, quando abrem a boca ou entra mosca ou... sai asneira.

"Se for condenado, peço aos que me apoiam, que me matem", disse Paco Bandeira sobre o facto de estar a ser julgado por crimes de violência doméstica e posse de arma proibida, à revista "Caras" (Visão, nº 985). Que forma mais imbecil de clamar a sua inocência. Como é que uma imbecilidade destas pôde sair da cabeça dum homem em que algumas das suas músicas temperaram tempos tórridos da minha vida? 

Positivo

Cinco portugueses foram premiados pelo Instituto Médico Howard Hugues, dos Estados Unidos, sendo reconhecidos como "futuros líderes científicos". Quatro deles trabalham em Portugal, Rui Costa (Fundação Champalimaud); Karina Xavier e Manuel Godinho Ferreira (Instituto Gulbenkien da Ciência) e Luísa Figueiredo (Instituto de Medicina Molecular) e, no estrangeiro, mais concretamente em Barcelona encontra-se o quinto português premiado, Pedro Carvalho (Centro de Regulação Genómica). De notar que a Fundação Champalimaud viu uma outra sua investigadora ser premiada, a norte-americana Megan Carey. Num universo de 760 candidatos provenientes de 18 países, termos cinco portugueses galardoados é obra. (Público, 24/01). Façamos votos para que nenhum dos cá estão emigrem. Cérebros é o que nos falta. Trocamos por políticos.

Hélder Rodrigues, que voltou a participar no Rali Dakar tendo obtido, de novo, o terceiro lugar.

Negativo


O ex-Secretário de Estado da Justiça José Magalhães dispendeu 60.000 euros na remodelação do seu gabinete de trabalho, que mandou decorar com símbolos maçónicos, quando exercia as suas funções políticas (Visão nº 985). Claro que os 60.000 euros não foram pagos do bolso dele, mas do erário público. Ou seja do meu bolso, por exemplo. E é de lamentar que um homem, prestigiado na luta pela democracia no tempo da ditadura (acho que bateu o recorde de suportar a tortura da estátua, na PIDE) agora, em final de carreira, este que foi apelidado de "ciber-deputado" no Parlamento, veja o seu nome como tendo contribuído, com a sua quota parte, para o quase afundamento do nosso Titanic lusitano. Já não lhe bastava o anátema de ter sido um governante socrete.

Lamentar

O encerramento da revista "Focus" (Visão nº 985). Sempre que um orgão de comunicação social desaparece o País fica mais pobre. Para além das lamentáveis situações de desemprego que gera. Quem foi o iluminado que disse uma vez: "não leio jornais"? Se calhar foi para fazer as poupanças que agora ajudam a reforçar o orçamento familiar  de 10.000 euros que não chegam para as despesas actuais.

As famosas afirmações que o nosso Venerando Chefe de Estado disse sobre as suas reformas e que, transversalmente, causaram repulsa. Pois eu cá, que sou daqueles que "teria que nascer duas vezes" (espero que o Venerando Chefe de Estado não me leve a mal por o plagiar) para atingir, pelo menos, o patamar de metade do que ele ganha, posso dar-lhe um conselho: porque é que V.Exa. não se aconselha (de novo) com o seu amigo Oliveira e Costa? Talvez este lhe dê umas dicas de como rentabilizar as suas economias numa "off-shore". Por curiosidade: não foi este seu amigo que aconsellhou V.Exa. sobre o vender as acções do BPN que detinha, a preço valorizado e antes de  ter estoirado a bernarda? Não estou a afirmar, estou a perguntar. Ou então Vossa Senhoria podia-se aconselhar com o seu outro amigo, um de tal Dias Loureiro. O euro em Cabo Verde é forte (acho eu, que nestas coisas de finanças nada percebo). Ou então, em alternativa, também podia trocar umas palavras com o Duarte Lima. O Brasil é o nosso El Dorado (a par com Angola) e talvez ele lhe desse uns contactos lá por aquelas bandas. Enfim... anda muito bem relacionado este nosso Venerando Chefe de Estado.

Exposição

"O Homem e o seu Olhar: a Magia do Instante" é uma exposição fotográfica que absorve seis décadas de trabalho do fotojornalista João Ribeiro, do qual foi pioneiro e cujos trabalhos foram sendo publicados em diversos jornais da nossa praça ao longo destes 60 anos. Repositório memorial de grandes eventos no nosso País é um verdadeiro legado histórico, todo este manancial fotográfico. Na Galeria Carlos Paredes da Sociedade Portuguesa de Autores (Rua Gonçalves Crespo, Lisboa), das 09 às 19H00 e de Segunda a Sexta.

Está a acontecer

Irom Sharmila, activista indiana dos Direitos Humanos, está em greve de fome há onze anos (repito: onze anos), no Estado de Manipur - Índia, sem ingerir uma gota de líquido ou de alimento sólido. Acusada de atentado contra a própria vida, que naquele Estado é crime, encontra-se internada no hospital Jawarhal Nheru, sendo alimentada à força, através duma sonda nasal. A razão da sua greve prende-se com o facto de pretender ver revogada uma lei que confere imunidade a excessos policiais ou militares, e teve início em Novembro de 2000, quando contava 28 anos de idade e quando dez jovens foram mortos por uma força paramilitar e os autores não foram investigados. Quinzenalmente é presente a um Juiz e, face à sua continuada recusa em suspender a greve de fome, volta a ficar detida hospitalarmente, sob custódia judicial. E isto é um calvário que se repete há onze anos. E em nome duma lei promulgada em 1958, que dá poderes especiais às Forças Armadas e Polícia para combaterem facções rebeldes, poderes especiais esses que se estendem a prender pessoas sem julgamento e inunidade em caso de assassinatos. (Fonte: Revista Tabu/Sol nº 273 /// htpp//:mesadoeditor.wordpress.com)


Navegar, navegar


http://www.youtube.com/movies - Trata-se de um canal de filmes que o Youtube exibe por completo. O visionamento dos filmes é gratuito não sendo necessário registarmo-nos para ver os mesmos, funcionando como um vídeo comum. 
Partiram

Manuel Fraga Iribarne, político e escritor espanhol.
Miljan Miljanic, jogador e treinador de futebol jugoslavo.
Rauf Denktash, político turco-cipriota.

Foi dito
"A História é património comum. Por isso não devemos deixá-la cair em mãos erradas." - George Duby (1919-1996), historiador fracês especialista em Idade Média, numa entrevista ao jornal L´Express (1974). 

domingo, 22 de janeiro de 2012

Fernand Fournier-Aubry

Aventureiros, viajantes e exploradores



Fernand Fournier-Aubry - (Saint Maur des Fosses, 23/11/1901 - Nice, 20/12/1972). Aventureiro, comerciante de madeiras e de ouro, traficante de ópio, pescador de tubarões, entre muitas outras profissões. Oriundo duma família burguesa, aos dezanove sai de casa e inicia a sua vida aventurosa no Gabão, em África, onde explora madeiras aproveitando as abundantes florestas que ali encontra. Durante uma década (1919/29) é lenhador, contrabandista de gado e convive com canibais. Retorna a França e, no septenato que medeia entre 1935/42, estabelece-se na América do Sul, apaixonando-se pela Amazónia, sempre na exploração madeireira. 


A sede por mais leva-o a dedicar-se à pesca do tubarão e exploração e rentabilização industrial da carne e do figado do mesmo. É o seu período de marinheiro no Oceano Pacífico (1942/54), onde percorre a costa oeste da América do Sul que o levará até à Terra do Fogo.


No biénio seguinte trafica ópio e ouro, pela Ásia adentro. De cavalo ou de camelo percorre as zonas remotas do Afeganistão, do Paquistão, da Índia e vai até às portas da China. Percorre e fica a conhecer a lendária rota do ópio e do ouro. Abandonando esta vida de contrabandista retorna à Amazónia e estabelece-se, de novo, na América do Sul, onde labuta entre contrabando, exploração madeireira e tráfico de influências.


Em 1972, encontrando-se em França e estando a preparar-se para retornar à Amazónia acaba colhido pela morte. Como ele afirmou certa vez: "Não há nenhuma resistência ao vento da aventura. Quando sopra, eu sinto isso e obedeço". Fernand Fournier-Aubry foi, para todos os efeitos  e apesar de todas as suas contradições, um  aventureiro do século XX.


Historiando Moçambique Colonial


Parte V - A guerra nacionalista


Desencadeada a luta armada, inicialmente a guerrilha instalou-se, por motivos de apoio logístico, em Cabo Delgado. Mal municiados, mas detentores duma forte componente ideológica independentista, que se irá amadurecer com o evoluir da guerra e depuração de fileiras, os quadros da guerrilha vão cimentar o pensar nacionalista numa base marxista-leninista.

Inicialmente democrática, admitindo diversas correntes de opinião interna, a FRELIMO não se apresentava como um partido político com uma ideologia fixa ou predominante, mas sim como uma frente que aglutinava diversos partidos, cujo cimento era a conquista da independência nacional, advogando-se até a sua dissolução, após os objectivos alcançados.

É a cega política colonial, imposta pelo regime ditatorial português, que cortou todas as hipóteses de diálogo, acrescida duma maior necessidade de dinheiro e armas para sustentar a guerra independentista que acaba por, no decurso da mesma, atrair os dirigentes da frente para a esfera da influência chinesa e, depois, soviética.

Lenta e gradualmente a FRELIMO instala-se  o terreno conseguindo, entre os dias 20 e 25 de Julho de 1968, realizar o seu II Congresso, já em solo moçambicano, no Niassa. E, a 07 de Março desse mesmo ano, focos de guerrilha já se tinham instalado em Tete, o que obrigava o Exército Português a ter que se dividir em três frentes de combate: Cabo Delgado, Niassa e Tete. Num esforço para fazer frente ao alastramento das zonas de combate, os portugueses, após a ascensão de Marcelo Caetano ao poder, lançam-se em duas batalhas: A) - maior incremento das actividades militares e policiais; B) - desenvolvimento económico acelerado do território.

Analisando ao de leve as duas vertentes temos, no esforço bélico: 1) nomeação de Kaúlza de Arriaga, um General com sobejas provas dadas de fidelidade ao regime, para Comandante Chefe das Forças Armadas em Moçambique, em Março de 1970; 2) assassinato de Eduardo Mondlane, em 03 de Fevereiro de 1968; 3) incremento da criação de aldeamentos fortificados para concentrar a população dispersa e, assim, evitar o apoio desta aos guerrilheiros, nomeadamente as ofertas de mantimentos, correio, informações, transportadores e voluntários; 4) criação de corpos de combate especiais militares, de raiz moçambicana: Comandos e diversos tipos de Grupos Especiais (GE´s) e Flechas; 5) incremento da actividade da polícia política (DGS); 6) colaboração com as tropas rodesianas no combate mútuo aos movimentos de libertação que assolavam os dois países, permitindo-se o passar da fronteira, quando em perseguição; 7) expulsão de religiosos que denunciaram, publicamente, diversas atrocidades, tais com o massacre de Wyriamu. 

No campo do esforço económico há a registar: 1) ampliação da rede ferroviária, no início dos anos 70, o interior norte ligado ao litoral; 2) desenvolvimento da actividade portuária; 3) industrialização macica, principalmente na zona sul do território; 4) fixação de agregados familiares brancos na zona do Limpopo e, posteriormente, na zona de Tete, com a construção da barragem de Cabora-Bassa; 5) incremento espectacular da indústria do turismo; desenvolvimento acelerado da agricultura, através da fixação de colonos vindos da metrópole; 7) expansão da avião comercial, dotando a DETA (companhia aérea moçambicana) com aviões a jacto; 8) lançamento da barragem de Cabora-Bassa, em Tete, a última grande decisão política de Oliveira Salazar, antes do seu afastamento do poder por doença.

A par disto desenvolve-se, nos meios militares, uma intensa campanha de acção psicossocial, de molde a cativar a população, fornecendo-lhes assistência médica e enfermagem, ensino básico e pondo a engenharia militar a abrir estradas e a construir pontes e escolas.

No campo político, para além da acção diplomática portuguesa na ONU que, com a  entrada de novos países africanos hostis à política ultramarina lusitana, tornam as suas intervenções periclitantes; Portugal respira um pouco de alívio com a ascensão de Richard Nixon à presidência norte-americana. Assessorado por um duro, Henry Kissinger, Nixon reabre o auxílio militar a Portugal, que tinha sido cortado pela Administração Kennedy, e boicota algumas actividades políticas na ONU contrárias aos interesses portugueses, através do uso do veto.

A viagem de Marcelo Caetano às províncias ultramarinas veio dar um novo alento à comunidade portuguesa, facto esse que nunca tinha acontecido no consulado de Oliveira Salazar. Mas, no entanto, a situação bélica piorava. 

A FRELIMO não desarmava e, após a morte de Eduardo Mondlane, passa por uma crise interna, até que a ala de maiores convicções revolucionárias ascende ao poder depurando, das suas fileiras, os elementos considerados divisionistas ou com simpatias por um ideário independentista moderado. 

Samora Moisés Machel ascende à liderança da FRELIMO e é este homem que irá conduzir o movimento até à vitória final, entrando em Moçambique para proclamar a independência do território.

Ainda durante o Verão de 1970, Kaúlza de Arriaga desencadeia a operação "Nó Górdio", numa tentativa de destruir as bases da FRELIMO, em cabo Delgado, copiando técnicas americanas utilizadas no Vietname. São empregues milhares de homens - 8.000, segundo Kaúlza de Arriaga; 30 a 35.000 segundo a FRELIMO - englobando meios aéreos e especialistas da guerra do Vietname e, em balanço final, retira-se satisfeito com os resultados obtidos: "... de todo este esforço contra-subversivo resultou uma derrota drástica para a Frelimo que teve, em fuga, que se refugiar no "santuário" da Tanzânia." (Kaúlza de Arriaga / Guerra e Política: em nome da verdade os factos) ou, na óptica da FRELIMO: "... o tiro, porém, saiu-lhe pela culatra. Em Novembro as forças portuguesas foram definitivamente repelidas das zonas controladas pela Frelimo, depois de sofrerem enormes perdas em homens e materiais..." (FRELIMO / Datas e documentos).

Admite-se que a razão esteja dividida nos dois lados. Mas, no balanço final, a FRELIMO depois das águas acalmarem voltou e, contrariamente às expectativas de Kaúlza de Arriaga, a guerra prosseguiu. Tanto que se admitia a "vietnamização" de Moçambique com uma linha separadora formada pelo rio Zambeze, entregando-se o Norte, mais pobre economicamente, aos guerrilheiros e defendendo, intransigentemente, o Sul, rico em indústrias e com a função de servir de tampão protector à África do Sul e Rodésia, dois bastiões da supremacia do poder branco.

Portugal não aguentava mais. O esforço de guerra em três territórios (Angola, Moçambique e Guiné); a oposição interna cada vez mais activa; a circulação de ideias contestatárias no seio universitário; o desenvolvimento económico europeu; o aumento da sinistralidade em combate e em acidentes; a emigração clandestina principalmente para a França e Alemanha, exaurindo o País de braços jovens; a inflação; a crise mundial do petróleo da década de 70; os movimentos contestários das comunidades brancas nas colónias a aspirarem a uma independência do tipo rodesiana; o desgaste do poder instalado há décadas; o aumento das deserções; o cada vez maior fortalecimento bélico dos movimentos independentistas e o seu reconhecimento e financiamento pela comunidade internacional; culminando com a declaração unilateral de independência da Guiné-Bissau feita pelo PAIGC em 1973, reconhecida imediatamente por inúmeros países, foram vários factores (entre outros) que culminaram com o eclodir do golpe militar do 25 de Abril de 1974, em Portugal.

Assim, não foi o golpe militar abrilino que originou o desenvolvimento das independências dos territórios ultramarinos, mas sim os movimentos nacionalistas africanos nas três frentes de combate (Angola, Moçambique e Guiné-Bissau) que derem um contributo mais que decisivo para o desencadear da revolta militar portuguesa.

Com o advento do 25 de Abril de 1974, Portugal acaba por reconhecer, após avanços e recuos, o direito dos povos africanos à independência e, no caso específico de Moçambique, reconheceu a FRELIMO como único representante legítimo do povo moçambicano, atendendo a que era a única força política aceite internacionalmente e a que verdadeiramente combatera no terreno.

Entre os dias 05 e 07 de Setembro de 1974 reuniram-se em Lusaca as delegações de Portugal e da FRELIMO e, neste último dia, as duas partes assinaram o Acordo de Lusaca, determinando-se a independência do País para o dia 25 de Junho de 1975, data comemorativa do aniversário da FRELIMO.

Constituído o Governo de Transição, com um Alto-Comissário português (Victor Crespo) e um Primeiro-Ministro moçambicano (Joaquim Chissano), e divididas as pastas ministeriais por elementos da FRELIMO e de Portugal, a 09 de Setembro de 1974 a Presidência da República Portuguesa acabou por promulgar a Lei nº 8/74, que contemplava o Acordo de Lusaca.

Até á data da independência, Moçambique passa por uma tentativa de instalar partidos anti-FRELIMO ou anti-marxistas no tabuleiro das negociações para discutir essa mesma independência, já que não concordavam que a FRELIMO fosse a única representante dos interesses moçambicanos. A 07 de Setembro de 1974, no dia da assinatura do Acordo de Lusaca, uma forte componente de elementos ligados ou conotados com o sistema político deposto tomaram de assalto o Rádio Clube de Moçambique, em Lourenço Marques, durante três dias, mas não conseguiram mais do que enviar mensagens pela rádio e uma delegação de representantes, aos quais o poder em Lisboa acabou por não dar crédito, tendo ordenado a reocupação da estação radiofónica pela força militar. De raiz civil, ficou conhecido pelo Movimento Moçambique Livre.

A 21 de Outubro seguinte alguns elementos portugueses da força dos Comandos envolvem-se em tiroteio com uma patrulha da FRELIMO na baixa laurentina, o que vem provocar nova onda de agitação social.

Neste ano de transição para a independência nascem, como cogumelos, dezenas de partidos políticos de pequena dimensão e, no fundo, sem qualquer representatividade nacional e todos com vida efémera. A população comprometida com o regime deposto e que não aceita a independência do País sob a égide da FRELIMO prepara o seu regresso para Portugal ou emigra para a África do Sul e Rodésia, países a quem o futuro começa a ficar ensombrado pois, para além dos movimentos contestários internos (ANC na África do Sul e ZANU e ZAPU na Rodésia), não vêm com bons olhos Angola e Moçambique ficarem independentes, com políticas contrárias aos seus regimes racistas.

Mas, enquanto a África do Sul, fruto do seu posicionamento geográfico e potencial económico-militar, ainda podia aspirar a resistir longamente, já o mesmo não poderia suceder com a Rodésia, pois este País, para além de não ser reconhecido nos areópagos internacionais carecia e dependia, fruto da sua interioridade, de utilizar o porto moçambicano da Beira, para escoamento e importação de bens, nomeadamente combustíveis.

O regime político implantado por Ian Smith, Primeiro-Ministro rodesiano, era decalcado do sistema sul-africano, tendo tudo corrido mais ou menos de feição até 1974, conluiados com as autoridades portuguesas, as quais facultavam o porto da Beira aos interesses rodesianos, desafiando o boicote internacional que lhes fora imposto, liderado pela Grã-Bretanha.

Às 00H00 do dia 25 de Junho de 1975, Samora Moisés Machel, em representação da FRELIMO, proclama a independência nacional em Maputo (ex-Lourenço Marques) e assume a Presidência do País , conforme disposição constitucional entrada em vigor (artº 47 da Constituição da República Popular de Moçambique).

Os portugueses saíam e davam lugar aos ancestrais locatários daquele território. Longe, muito longe, iam os tempos em que Pêro da Covilhã fora o primeiro europeu a deambular por Sofala, em 1489, a colher informações sobre o ouro do Monomotapa.

O ciclo do Terceiro Império Português, nas terras africanas, encerrar-se-ia daí a uns cinco meses, com a independência angolana. Um novo ciclo abria-se na História de Moçambique, ciclo esse que, tendo-se começado a escrever em alvas páginas, cedo estas começaram a ficar tingidas de sangue. Mas que já não tinham a ver directamente com o tempo colonial.

(Continua) 


Uma personalidade para a eternidade



Paul Carlson (Culver City (Califórnia), 31/03/1928 - Kidsangani (Congo), 24/11/1964). Médico missionário. Filho de emigrantes suecos, completou os seus estudos de medicina em 1956, na Universidade George Washington. De formação religiosa protestante segue, em 1963, como missionário para Ubangi, no Congo, ao serviço da Igreja da Aliança, juntamente com a sua família. Exerce o seu mister de clínico na hospital local, em Wasolo, grangeando estima no seio da população local, acabando por ficar conhecido como "Monganga Paul". Com o eclodir da guerra civil no Congo, após a independência deste País, como ex-colónia belga, a família de Paul Carlson refugia-se na vizinha República Centro-Africana, face ao alastramento da referida guerra civil e instabilidade política que se instalou no País. No entanto Paul Carlson, depois de deixar a  família em terra segura, retorna ao Congo e retoma as suas funções de médico no hospital de Wasolo, apesar do perigo que corre. Acaba feito prisioneiro por forças rebeldes congolesas, lideradas por Christophe Gnebeye, que o levam custodiado para Stanleyville (actual Kisangani) sob acusação do missionário ser um espião ao serviço dos norte-americanos. Os seus captores tentam jogar com a sua situação de preso (juntamente com outros europeus) chantageando forças europeias para obterem lucros, enquanto o torturam. Uma força mercenária tenta o seu resgate, através duma acção militar, mas os rebeldes que o mantinham prisioneiro acabam por o abater, antes que a sua iminente libertação fosse conseguida. Paul Carlson podia ter-se salvo quando deslocou a sua família para da segurança da República Centro-Africana. Mas o seu sentido de dever, quer como missionário quer como médico, fizeram-no voltar para trás, não abandonando os seus doentes. Mesmo sabendo ao que se arriscava.  Exemplos nobres como este não abundam.     


Livros



"Don Fernando"  de Fernand Fournier-Aubry (Livraria Bertrand; Amadora; 1972(?); 530 págs.) é um testemunho na primeira pessoa que este aventureiro (acima referido) prestou a André Voisin, sobre toda a sua vida.


"Monganga Paul" de Lois Carlson (Bridges) (Editorial Além-Mar; Lisboa, 1971; 211 págs.). A autora, viúva de Paul Carlson presta, neste livro, a sua homenagem à figura ímpar daquele que foi seu marido. 


Documentário


"Monganga: Dr. Paul Carlson in the heart of Congo" é um documentário televisivo sobre a vida de Paul Carlson, realizado pelo seu irmão Rick Carlson e produzido por Timothy Johnson da ABC News.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Wilfred Thesiger

Aventureiros, viajantes e exploradores

Wilfred Thesiger - (Adis-Abeba, 03/06/1910 - Londres, 24/08/2003) - Aventureiro, explorador, fotógrafo e escritor. Tendo nascido em Adis-Abeba, onde o seu o pai era o representante diplomático da Coroa Britânica, fez os seus estudos em Inglaterra, em Sussex (1919/1923) finalizando-os em Oxford (1929/1933) onde, paralelamente, se dedicava ao boxe escolar como desporto. Aproveita as férias escolares universitárias para viajar e, assim, no primeiro ano embarca para Istambul, regressando de comboio. No regresso tem um convite para voltar à Etiópia em 1930, numa breve viagem de cortesia para assistir à coroação do Négus Hailé Selassié.

Apaixona-se pela Adis-Abeba e por tudo o que ela representa nesta viagem. Na sua autobiografia escreverá, mais tarde, que se divertia com o tom e a "entoação de vozes falando aramaico, o cheiro de animais queimados que pontilhavam a cidade, as matilhas de cães selvagens que vagueavam pelas ruas, um ocasional cadáver que fora enforcado numa árvore, mendigos que haviam perdido o pé ou a mão por crimes de roubo"**. É recebido em audiência privada pelo Negus Hailé Selassié, que recebera bastante apoio do seu pai quando este ali exercera o mandato diplomático e o incentiva a vir para a Etiópia. "É o seu País. Nasceu aqui ... Espero que venha passar muitos mais anos connosco." Ter-lhe-á dito o Imperador nessa audiência**.

Nas férias do ano seguinte embarca como pescador numa traineira para a Islândia onde aprende, no meios dos frios e dos nevoeiros, a combater o sono. É uma aprendizagem dura a que se impõe de livre vontade.

Três anos mais tarde encontra-se de novo em terras etíopes para explorar todo o curso fluvial do rio Awash, exploração esta financiada pela Real Sociedade Geográfica de Londres. No decurso desta expedição entra no Sultanato Affar (ou Haussa), na fronteira entre a Etiópia e a Eritreia, tendo sido dos primeiros europeus a consegui-lo bem como também explora o lago Abhe Bad, que é um depósito lacustre de sal que se localiza na zona fronteiriça etíope-djibutiana.

Em meados da década de 30 encontra-se no Sudão, como Comissário Distrital e colocado em Kutum, uma remota localidade do Darfur. Percorre toda a zona do Darfur e os campos pantanosos do Sudd e navega pelo Nilo Superior. É no Darfur que Wilfred Thesiger faz a sua apaixonada aprendizagem de nómada do deserto, aprendendo a cavalgar camelos, a comer do que apenas encontrava ou caçava e a suportar a sede e a fadiga, aprendizagem esta que tão útil lhe seria para a vida aventurosa que já estava a desenvolver. Recusa qualquer tipo de tecnologia que lhe facilitasse  a vida, salvo uma espingarda, uma lanterna, uma bússola e uma máquina fotográfica. Durante uma licença, aquando de serviço no Darfur, interna-se do deserto do Sahara e vai até às montanhas do Tibesti, um desafio que lhe causa uma tal sensação de euforia, como confessou mais tarde, que jamais o fará abandonar a paixão pelos desertos.

No eclodir da II Guerra Mundial combate as forças italianas nas campanhas etíopes e celebriza-se ao liderar uma força que captura uns 3.000 soldados italianos em Mekane Selam (1941), depois duma marcha forçada de 80 quilómetros em menos de 24 horas. Combate, ainda, integrado na Coluna Gideão, uma força de comandos que era liderada pelo Major Charles Wingate. Vai para a Síria combater as forças francesas fiéis a Vichy, o que lhe permite visitar a lendária cidade de Petra, localizada na actual Jordânia. Em 1943, com a  derrota do germânico Afrika Korps, no Norte de África, Wilfred Thesinger retorna a Adis-Abeba, onde exerce funções de conselheiro junto de Hailé Selassié.

Após o findar do conflito vai trabalhar para a recém-criada FAO, o departamento de alimentação e agricultura da ONU, e é colocado nas unidades de observação e combate a pragas, tal como a do gafanhoto, sendo-lhe determinado percorrer os desertos arábicos. Percorre, por duas vezes, o Rub´al Khali, considerado o deserto dos desertos e que se situa na parte Sul da Arábia Saudita e abrangendo áreas de Omã, Iémen e Emiratos Árabes Unidos. Foram duas violentas viagens exploratórias que só a sua excepcional robustez física e mental lhe permitiram levar a bom termo. Não tendo o primeiro europeu a atravessar este lendário deserto (já Richard Burton* o fizera) foi, no entanto, a fazê-lo na totalidade, tendo ainda mapeado o oásis de Liwa e as areias movediças de Umm-As-Sammim. Sofreu perseguições de assaltantes, esteve envolvido em conflitos inter-tribais e também foi detido pelas autoridades sauditas. Viajou sozinho ou acompanhados por beduínos, povo que ele passou a admirar e a  querer viver como eles. Respeitava o estilo de vida frugal dos mesmos, recusando ser dependente da tecnologia.

Peregrina pelo Iraque, pelo Deserto da Areia Grande na Pérsia (actual Irão), Curdistão, nordeste do Paquistão, Afeganistão, as cordilheiras centro-asiáticas do Hindukush e do Caracórum. Percorre a África nortenha até Marrocos e, depois, abandonando a vida de nómada do deserto, desce pela África Oriental e vai até ao Tanganica (actual Tanzânia), com longas estadias no Quénia e no Uganda. Combate no decurso da guerra civil do Iémen (1966/67) pelo lado monárquico. A pé, em transporte animal ou de canoa, contabilizam-se por dezenas de milhares os quilómetros que Wilfred Thesiger palmilhou à sua conta.

Estabeleceu-se finalmente no Norte do Quénia, onde planeava findar o seus dias, fruto das fortes ligações afectivas que estabelecera com as tribos samburu, mas a morte de amigos seus destas tribos, a instabilidade política que o País começou a sofrer e a cegueira que começou a sofrer lenta e gradualmente, levaram-no a regressar em 1994, de vez, para a Grã-Bretanha, acabando os seus dias num lar de idosos. 

Apesar de não renegar as suas origens e o legado cultural que herdara, a verdade é que este homem rejeitava grande parte do bem estar que a tecnologia lhe proporcionava. Preferia andar a pé ou a cavalo do que de carro. Acusava a civilização de cilindrar as ancestrais culturas humanas, destruindo povos e costumes bem como de coarctar a liberdade individual de cada um poder dispor de si para onde quisesse ir. Era o preço do avanço da civilização que ele não estava disposto a pagar. Preferiu ser um cavaleiro andante do deserto e andar a combater guerreiros de tribos ferozes ou a fugir de  tempestades do deserto nadas de causas naturais e não criadas por interesses de um qualquer político de gabinete; preferiu dormir no frio nocturno enrolado numa manta e a ouvir o estalar das montanhas quais gritos do deserto; preferiu a honradez do aperto de mão e da palavra dada dum gentio ao acordo notarial da civilização. Como a historiadora Sara Weelher o definiu: "Thesiger vive numa idade homérica de exploração e escrita de viagens, uma idade antes do patrocínio da televisão. Ele destaca-se como um  monólito contra o lixo consumista e a cultura da celebridade trash."  Mas para o fim da sua vida tinha a consciência de que as suas opções estavam ultrapassadas e esse mundo nostálgico com que sempre sonhava era apenas uma reminiscência do passado, uma simples página dum pequeno de livro de História. Mas, a verdade, é que ele viveu esse mundo. E viveu para contá-lo.

Fotógrafo inveterado, legou ao Museu Pitt Rivers, da Universidade de Oxford, um espólio memorialista de mais de 20.000 negativos e aos apaixonados pelos cálidos ventos meharistas dos planaltos desérticos e pelas frias fragas das cordilheiras centro-asiáticas vários livros, entre os quais "Pelos desertos das Arábias"; "Os árabes Marsh"; "O diário Danaki - jornada através da Abissínia"; "Entre as montanhas - viagens pela Ásia", a sua autobiografia "A vida que escolhi" (1987) não estando esgotada, nesta pequena súmula, toda a sua bibliografia.

Nem toda a sua vida.  

* - Já biografado anteriormente.
** - Fonte recolhida junto dum testemunho de Jonathan Glancey, jornalista do "The Guardian", que conviveu com Wilfred Thesiger nos seus últimos tempos.

Historiando Moçambique Colonial

Parte IV - A paz lusitana
Com o findar da segunda década do século XX  os portugueses encontram-se, finalmente, instalados em Moçambique e, coisa rara, em paz. São, verdadeiramente, os donos e senhores daquele imenso território.

Resolvidos os conflitos internos com a derrota do Reino do Barué e a retirada das tropas alemãs, no rescaldo da I Guerra Mundial e encerrado o contencioso com a Grã-Bretanha no tocante à delimitação das fronteiras terrestres, os portugueses voltam ao seu habitual estado de sonolência tropical.

A envolver totalmente Moçambique encontrava-se a Grã-Bretanha com as suas colónias, desde a África do Sul à Rodésia do Sul (actual Zimbabwé); Rodésia do Norte (actual Zâmbia); Niassalândia (actual Malawi) e Tanganica (actual placa continental da Tanzânia) e, fruto disso, o desenvolvimento de Moçambique era em função dos interesses económicos britânicos e não dos interesses moçambicanos.

Assim, Lourenço Marques e o seu porto serviam para escoar e deixar entrar os produtos produzidos e necessários ao interior transvaliano e, para facilitar o tráfego comercial, construiu-se a linha de caminho-de-ferro que ligava, à capital moçambicana, as províncias interiores sul-africanas. No centro, o porto da Beira servia de porta de entrada e de saída para os produtos da Rodésia do Sul. No Norte, como não havia interesses britânicos na periferia, estava ao semi-abandono.

Com a queda da monarquia portuguesa, em 1910, e a consequente implantação do regime republicano, a situação na colónia de Moçambique pouco ou nada melhorou para os naturais. O poder colonial branco instalara-se, lenta e paulatinamente. Na Metrópole os republicanos não se entendiam e os governos em Lisboa sucediam-se, vertiginosamente, uns atrás dos outros com reflexos negativos na condução da política colonial.

A 28 de Maio de 1926 os militares promovem um golpe de estado e instalam a ditadura, apelidada de Ditadura Nacional. Pouco anos depois, António de Oliveira Salazar, que já soçobrara a pasta das Finanças é nomeado Presidente do Conselho de Ministros e instaura um novo ciclo político, também ditatorial e que se chamou de Estado Novo. O novo governante, receoso do aparecimento de novos "Brasis" nas colónias, que originariam um desenvolvimento económico e social nas populações e consequentes aumentos de autonomias políticas, irá encetar uma política de estrangulamento total do desenvolvimento das colónias.

Elevando ao mais alto grau o cunho nacionalista da grandeza da História de Portugal e da sua missão divina de salvador dos povos da barbárie, endeusando Afonsos de Albuquerques, Vascos da Gama e Infantes D. Henrique e outros tantos e passando um apagador na história dos povos africanos, Oliveira Salazar fará tábua rasa de todas as aspirações emancipalistas das populações africanas, provocando um retrocesso na lenta evolução das colónias.

Após o findar da II Guerra Mundial (1939/1945) começa a despertar em África, de novo, a consciência autonomista dos povos, liderados por toda uma geração de políticos africanos que, independentemente do seu radicalismo ou contradições, podem-se considerar, com toda a justeza, os pais da África independentista: Kwame N´Krumah; Eduardo Mondlane; Patrice Lumumba; Amílcar Cabral; Mobido Keita; Jomo Kenyatta; Agostinho Neto; Houphoet Boigny; Omar Bongo; Sekou Touré; Hastings Banda; Seretse Khama; Julius Nyerere e Kenneth Kaunda; não sendo esta uma lista exaustiva.

Os portugueses, aferrados a princípios políticos ancilosados, não acompanham o evoluir dos tempos e, contrariando teimosamente os ventos da História, marcam passo no marasmo colonial, jamais se preocupando em criarem os caboucos do futuro edifício moçambicano. Na década de 50 e princípios de 60 sopram, vindos do Norte, os ventos independentistas africanos e as grandes potências coloniais europeias, com mais ou menos percalços, outorgam e reconhecem a emancipação, autonomia e independência das suas colónias. Assiste-se então, na ONU, ao aparecimento de nóveis países africanos que iam engrossar a voz dos que clamavam contra o colonialismo caduco de Portugal. Mas Oliveira Salazar e o seu regime ditatorial estavam politicamente surdos e historicamente cegos. 

Na África Austral, enquanto os britânicos preparavam a sua retirada, negociando ou sendo obrigados a ceder a independência de vários territórios, os portugueses mantinham a sua cadência ritmada pelo andar do caracol, crentes na imobilidade da História e na fidelidade dos povos africanos à bandeira das quinas bem como da sua docilidade.

E nem a queda do diminuto Estado da Índia, invadido pelas forças armadas da República Indiana; nem a perca do forte de S.João Bapista de Ajudá, tomado pelo Exército do Benim após abandono do mesmo pelo representante português ou o eclodir da guerra nacionalista, em Angola - todos estes factos ocorridos em 1961 - levaram Oliveira Salazar e os seus seguidores a abandonarem a política do "orgulhosamente sós".

Os portugueses tinham criado a sua paz, crentes na eterna durabilidade da mesma e assente no paternalismo europeu e na docilidade africana. Mas a foice da História ceifou rente os sonhos do imutável Império Colonial Português. A sua paz só duraria quarenta anos.

No início dos anos 60 Moçambique encontrava-se englobado no contexto político duma "África Branca", na qual a África do Sul, com o seu regime de apartheid pontificava como potência regional incontestável.

Em meados desta década Ian Smith declara, unilateralmente, a independência da Rodésia, sem a concordância da potência colonizadora, a Grã-Bretanha e este facto veio reforçar mais o conceito da "África Branca", ou seja, uma área onde os brancos dominassem política, económica e militarmente. No entanto, a vaga de fundo independentista assolava o continente africano pelo que, como já anteriormente foi referido, vemos nas décadas de 50 e 60 múltiplas colónias africanas ascenderem ao concerto das nações libertando-se, teoricamente, do jugo colonial.

Os territórios africanos que ascenderam à independência eram todos da área inglesa, francesa e belga. Os territórios que estavam sob a tutela portuguesa mantiveram-se sob administração deste País, já que Governo ditatorial de Oliveira Salazar jamais pretendeu discutir o que quer que fosse sobre o futuro das chamadas Províncias Ultramarinas, como ele frisou por diversas vezes.

Mas a França, a Grã-Bretanha e a Bélgica ao cederem aos ventos independentistas das suas colónias estavam longe de revelarem preocupações com a identidade e emancipação dos povos africanos. Inteligentemente o colonialismo transformou-se em neo-colonialismo, ou seja, entregou a independência política mantendo o domínio económico dos novos países.

Herdando, os independentistas, uma população analfabeta, numa mistura de múltiplos povos e línguas e costumes diferentes, sem formação de quadros superiores e médios, fazendo ascender uma burguesia nacional corruptora e uma classe política corrupta e decrépita, o neo-colonialismo triunfa nos novos países, suas ex-colónias.

Kwame N´Krumah, um dos Pais da África moderna, independentista e revolucionário político ganês, cuja actuação ultrapassou as fronteiras do seu País e se situa à escala continental definiu, em 1965, no seu livro "Neocolonialism - the last stage of imperialism" o neo-colonalismo do seguinte modo: "Em lugar do colonialismo, como principal instrumento do capitalismo, temos hoje o Estado neo-colonial. A essência do neo-colonialismo é a de que Estado a que ele está sujeito é teoricamente independente e tem todos os adornos exteriores de soberania internacional. Mas, na realidade, o seu sistema económico e, portanto, o seu sistema político são dirigidos do exterior".

Assim, vamos encontrar formas de neo-colonialismo em África como, a título exemplificativo, na exportação de capitais, nos programas de auxílio e desenvolvimento, na instalação de bases militares, na provocação de guerras tribais e na ascenção ao poder de políticos corruptos. Será a razão da existência dos Idi Amin; Bokassa; Odjkwkw, Macias, Mobutu, Tchombé e tantos outros. Será toda uma legião de ditadores corruptos e cruéis, autênticas marionetas nas mãos dos agentes económicos dos países desenvolvidos que, a fim de manterem os seus interesses intactos, chegam a inspirar guerras civis e secessões em vários pontos de África (Katanga, no Congo e Biafra, na Nigéria, por exemplo).

Mas, enquanto todas estas convulsões se processavam nalgumas partes de África, a sua zona meridional parecia um oásis de paz, sob domínio branco. Assim, no decorrer da década de 60 vamos encontrar: uma África do Sul com um regime de apartheid; uma Rodésia a declarar, unilateralmente, a sua independência em 1965 e a instalar também o apartheid; Angola e Moçambique sob domínio português e com o estatuto de Províncias Ultramarinas. O Botswana e o Lesoto atingem as suas independências em 1966 e a Suazilândia dois anos depois mas estes países, fruto da sua localização geográfica ou pequena extensão territorial e rodeados pelos restantes territórios em mãos de poder branco, são economicamente dependentes dos restantes territórios que os circundam. A Namíbia era um território sob administração sul-africana, tendo sido o último território da África Austral a declarar a sua independência (1990).

Ou seja, a África Austral era composta por territórios governados, directa ou indirectamente, pelos interesses económicos europeus, no início dos anos 60 e o navio chamado Moçambique navegava, aparentemente calmo, integrado na armada colonial portuguesa, nos mares meridionais. O que distinguia Angola e Moçambique dos restantes territórios da África meridional é que nem eram independentes nem sequer o Governo de Portugal admitia essa hipótese.

Portugal era regido por uma ditadura que, em relação à política africana, levou o seu Presidente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar, a emergir de duas correntes aparentemente opostas e que se digladiavam no seio da União Nacional (a única associação política autorizada): os integralistas e os federalistas.

A corrente federalista teve um dos seus mentores iniciais em Marcelo Caetano - que vem a suceder a Oliveira Salazar - que advogava reformas nas "Províncias Ultramarinas" (nome eufemístico que ele atribuiu às colónias para tornear um obstáculo jurídico na ONU) e os integralistas contrariavam tais reformas, por temerem que as mesmas acabassem por levar à emancipação dos povos africanos e, assim, surgissem os tais "novos Brasis".

Oliveira Salazar, simpatizante da fórmula integralista, optou por atrofiar a lenta evolução colonial e, ironia da História, Marcelo Caetano, que lhe sucede na cadeira do poder, acabará por ceder à pressão dos conservadores e virá a abandonar as ideias reformistas, optando por um posicionamento híbrido. As poucas reformas que fez já vieram tarde, não passando de simples maquilhagem política.

De qualquer modo, ao atrofiar a lenta evolução das gentes africanas e recusando a visão pragmática doutros países sobre a evolução do colonialismo para o neo-colonialismo, Oliveira Salazar fechou as portas a uma via independentista sem derramamento de sangue. Tolhido pelas malhas que o império teceu, Marcelo Caetano, seguidor da política salazarista, não teve coragem para inverter a situação deixando levar a guerra nacionalista até ao fim, o que acabou por se saldar num cansaço militar, uma das principais sementes do 25 de Abril de 1974.

A semente nacionalista já tinha, no entanto, chegado a Moçambique, trazida pelos ventos revolucionários do Norte. Apesar do regime assentar num sistema monopartidário, com a censura a amordaçar uma imprensa castrada, uma polícia política mais ou menos eficiente e um aparelho militar obediente, os governantes esqueceram-se que a tradição oral em África é premente e permanente e, assim, as notícias das independências noutros países e o eclodir da guerra em Angola chegam a Moçambique. 

Pode-se considerar que o rastilho que acelerou o eclodir da guerra, em Moçambique, terá sido o massacre de Mueda, ocorrido a 16 de Junho de 1960 quando, numa manifestação de populares descontentes, forças policiais e militares portuguesas abriram fogo contra uma multidão desarmada. A 25 de Junho de 1962 é fundada a FRELIMO - Frente de Libertação de Moçambique, resultante da unificação de três pequenos partidos que eram a UDENAMO - União Democrática Nacional de Moçambique; a UNAMI - União Nacional para Moçambique Independente e a MANU - Mozambique Africa National Union e, dois anos depois, a 25 de Setembro de 1964, desencadeia-se a guerra em Moçambique, com o objectivo primordial de se atingir a independência do território.

Sediada em Dar-es-Salam, capital da Tanzânia, a FRELIMO liderada por Eduardo Chivambo Mondlane, esgotadas as tentativas de diálogo com o Governo Português, opta pelo desencadear da luta armada, não contra o povo português mas sim contra o regime que também o oprimia, conforme ficou frisado no seu Primeiro Congresso, que se realizou entre 25 e 28  de Setembro de 1962.

Assim, em 25 de Setembro de 1964, na cidade de Dar-es-Salam e num discurso aos moçambicanos via rádio, Eduardo Mondlane dirá: "Em vosso nome a FRELIMO proclama hoje, solenemente, a insurreição geral armada do povo moçambicano, contra o colonialismo português, para a conquista da independência total de Moçambique. O nosso combate não cessará senão com a liquidação total e completa do colonialismo português".

Por volta das 19H00 desse mesmo dia, uma secção de guerrilheiros da FRELIMO, comandada opor Alberto Chipande, ataca o posto do Chai, em Cabo Delgado. Começava o canto do cisne da soberania portuguesa nas terras moçambicanas, canto esse que dolorosamente se iria prolongar por uma década.

(Continua) 

Uma personalidade para a eternidade  

Albert Schweitzer - (Kaysersberg, 14/01/1874 - Lambarané, 04/09/1965) - Médico, teólogo evangélico, filósofo e músico. Nascido na Alsácia, sendo este território na altura pertença da Alemanha, formou-se em Teologia e Filosofia pela Universidade de Estrasburgo, acabando por integrar o corpo docente deste pólo de ensino superior em 1901. Quatro anos mais tarde inicia-se no curso de Medicina, doutorando-se em 17 de Dezembro de 1911. Sente o chamamento por causas humanitárias e, já casado, abandona o conforto e a segurança europeia e, acompanhado pela sua esposa, Helena Bresselau e que era enfermeira, parte para o Gabão (Fevereiro de 1913), então colónia integrada na África Equatorial Francesa, onde vai missionar e exercer medicina numa missão localizada na Estação de Lambarané, junto ao rio Ogoué, em resposta a um desafio feito por Alfred Boegner, então Presidente da Sociedade Missionária de Paris. Começa por dar consultas num galinheiro abandonado, sem intérprete e com o material clínico ainda por chegar da Europa, via marítima. Mas não desanima e, lentamente, começa a construir um pequeno hospital, junto ao rio, o que facilitava a chegada de doentes em canoas. Para além das consultas também opera e, para os gentios, faz milagres pois mata o doente, opera e depois ressuscita-o. A morte assim referida era a anestesia. Ganha respeito e admiração pois, aos próprios feiticeiros das tribos tratava-os como colegas e nunca os humilhava. Sabendo que os feiticeiros tinham bastante influência no seio das populações era um meio de os cativar e, assim, trazerem-lhe doentes que, doutro modo, nunca lhe levariam ao hospital. Acaba, fruto deste trabalho paciente, por ser cognominado de "Oganga" ("o mago dos feitiços").

Com o eclodir da I Guerra Mundial, onde França e Alemanha conflituaram, o casal alemão acaba preso pelas autoridades coloniais francesas (1917) e remetido para França, ficando confinados num campo de prisioneiros até ao findar da guerra, aproveitando este tempo morto para escrever um ensaio filosófico sobre o conflito das civilizações. Terminada a guerra, efectua um périplo europeu, durante os sete anos seguintes, onde realiza concertos musicais e conferências filosóficas e religiosas, com o fito de recolher fundos para a missão gabonesa de Lambarané, a sua grande paixão, para onde retorna em 1924. Conseguindo levar consigo pessoal médico e de enfermagem, lentamente vai erguendo um hospital maior onde atende, gratuitamente, toda a população que ali se desloca. Continua a escrever e a publicar livros, cujos direitos autorais lhe permitem sustentar e continuar a ampliar um novo hospital, que inaugura em 27 de Janeiro de 1927.

Vem à Europa em 1929, 1933 e 1935 a fim de se recuperar das doenças que o afectam, face à dureza do clima tropical e também para colectar dinheiro, quer em conferências quer em recitais de música, sendo reputado como um organista exímio e virtuoso intérprete das obras de Bach. Em 1949 vai aos Estados Unidos e três anos mais tarde atinge o seu zénite mundial ao ser laureado com o Prémio Nobel da Paz. Com o dinheiro deste prémio inicia a construção dum hospital específico para leprosos, também em Lambarané. Já com uma idade longeva, aos 90 anos parte, da sua amada Lambarané para a "Grande Grande Viagem", deixando um abundante legado, quer de actividade humanitária quer de actividade literária e musical.

Albert Schweitzer foi daqueles homens que nos fazem acreditar no Homem. A sua vida foi um constante batalhar em prol dos mais necessitados, dos mais esquecidos, dos mais violados. E também foi um exemplo do anti-ódio. Tendo a sua mãe, Adele, falecido debaixo duma carga da cavalaria francesa e, tendo ele próprio, sido prisioneiro de guerra dos franceses, apesar de ser um homem de paz, nunca nos seus escritos ou discursos levantou-se contra os seus carcereiros. À África, que adoptou como sua segunda Pátria, a ela tudo deu e nada lhe pediu em troca. Tudo o que ganhou, quer como conferencista, organista, escritor ou nobelizado, investiu em Lambarané, nada amealhando para si. Naqueles negros idos tempos de escravidão em que brilhava a escuridão do obscurantismo ele foi um gigante da preserverança e do humanismo. Foi um Homem que, podendo ter tido a Europa a seus pés, preferiu pôr-se aos pés de África.

Na realidade, repito, Albert Schweitzer foi daqueles homens que ainda nos fazem acreditar no Homem.

Leituras

I - Relativamente ao explorador Wilfred Thesiger (acima referido) logrei encontrar um dos seus livros traduzidos para português, titulado "Pelos desertos da Arábia" (Publicações Europa-América; Mem Martins; 2001; 354 págs.). Trata-se do relato das suas aventuras ocorridas no quinquénio 1945/1950, quando deambulou pelos desertos arábicos, ainda a febre do petróleo não tinha poluído a lenta e calma vida comunitária bedu (beduína). Considerado, por muitos críticos, um  dos melhores livros de todos os tempos que já foram escritos sobre viagens em desertos; trata-se dum livro memorialista dum tempo que passou à História e, como o Autor refere, uma homenagem a um povo que era herdeiro "directo de uma civilização verdadeiramente antiga que, na sua organização social, encontraram a liberdade pessoal e a autodisciplina pelas quais ansiavam".


II - Aproveitando o debate que se irá promover na Academia Portuguesa de História (referido em Vai Acontecer) sobre Cristóvão Colombo e a polémica sobre a sua nacionalidade e a quem é que ele realmente serviu (se aos portugueses ou aos espanhóis) vou reler "O Codex 632" de José Rodrigues dos Santos (Gradiva, Lisboa, 2005; 550 págs.), romance este que gostei imenso quando o li. Aliás, diga-se de passagem que gosto de ler José Rodrigues dos Santos, do qual tenho adquirido a obra literária do mesmo.

Apesar de Cristóvão Colombo e a sua história não serem assuntos que me prendam de sobremaneira o meu interesse, a leitura do "Codex 632" aguçou a minha curiosidade, face à documentação e factos históricos que o Autor apresenta no romance e que se assentam na verdade, pelo que aproveito para o reler agora e, depois, assistir  a este debate na Academia Portuguesa de História. 

As vozes da minha vida


Lembro-me de, adolescente e já com uns pelitos de barba a quererem despontar (há que séculos, meu Deus) estar, armado em adulto, a tomar uma bebida num bar frequentado por jovens e, no dito bar, haver uma aparelhagem que tocava discos. A certa altura começou a sair pelos altifalantes uma voz pura e cristalina que, logo nos primeiros acordes que ouvi, parei o que estava a fazer e centrei toda a minha atenção auricular naquela música. Pela primeira vez da minha vida estava a ouvir Joan Baez. E, pela primeira vez da minha vida, apaixonei-me por uma voz. Apenas por ouvir uma voz, apaixonei-me. Lembro-me de ter perguntado a quem estava comigo qual era o nome da cantora. Nesse dia, depois do jantar, fui à baixa laurentina e tomar um café no "Música-Bar" (já não existe) com auscultadores nos ouvidos e, depois de ter pago, se não me falha a memória, 2$50 (1,25 cêntimos), ouvir integralmente um "long-play"  (LP) desta cantora. Era, salvo erro, o "Farewell Angelina". E daí até comprar um LP dela foi um contar tostões a poupar no tabaco; a ir a pé para o liceu, ficando com o dinheiro do bilhete do machimbombo e a prescindir de comprar "nogat´s"  aos mufanas vendedores ambulantes que, com o tabuleiro das doçarias pendurado no ventre, circundavam a escola.  

Joan Baez nasceu a 09/01/1941 em Nova York e, felizmente, ainda é viva. Ainda jovem participa no Festival de Newport (1959). Cruza-se com o grande amor da sua vida, Bob Dylan, a quem lhe dará também a mão para o lançar no estrelato mundial. Entre 1963 e 1965 esta dupla fará concertos memoráveis. Politicamente activa, Joan Baez envolve-se em lutas contra a participação dos EUA na guerra do Vietnam e contra o racismo, entre outras causas nobres. Actua no lendário festival de Woodstock (1968). A sua voz pura e cristalina e a sua guitarra acústica marcaram o compasso da música folk. Compositora de melodias simples; uma fiel e generosa militante de todas as causas humanitárias, que a transformaram numa sacerdotisa que se pautou sempre pela coerência; percorrendo toda a sua vida com discrição e sem escândalos, Joan Baez é titular duma extensa discografia (32 álbuns e 15 compilações), do qual tenho alguns cd´s.

E, decorridos uns 40 anos em que ouvi pela primeira voz o trinar da sua voz, ainda me mantenho apaixonado por ela. Faz parte do meu harém musical. 

Navegar, navegar

A) -  http://www.flickr.com/photos/victor107/sets. Um notável conjunto de centenas de fotos de Portugal, por concelhos. Felizmente ainda há quem ame o nosso País.

B) - http://www.europeana.eu/portal. Portal que nos dá acesso à biblioteca multimédia online europeia. Livros, mapas, fotografias, documentos de arquivo, pinturas, filmes, tudo ao alcance dum clique. Aos milhares. Vale a pena navegar por aqui.

Imbecilidades

Parte I - A escritora Romana Petri encontra-se de passagem por Lisboa, cidade onde decorre o seu último romance "Esteja eu onde estiver". Num comentário efectuado à Visão refere que lamenta que o Facebook esteja aberto a todo o tipo de comentários, exemplificando o de um professor que, em Itália, escreveu que se deviam matar os judeus, incendiar a sinagoga de Roma e que os negros eram todos traficantes de droga. Opina a dita escritora Romana Petri que, para evitar estes atentados, devia de existir um mecanismo no Facebook que impedisse a divulgação de tais obscenidades. Tudo isto li na Visão nº 984, na secção "Radar Flashback, pág. 16, onde a dita senhora comenta três boas e outras três más notícias, segundo a sua opinião.

Mas pergunto eu: censurar o Facebook? Uma escritora defender a censura, mesmo que esteja carregada de boas intenções? E já agora vamos censurar os blogues? E o Twitter? E tudo o mais que contenha a palavra escrita? Podia-se começar a censurar os livros dela, por exemplo. De certeza que algures no mundo, há-de haver alguém que não concorde com algo que ela tenha escrito. 

Nas estradas da liberdade podemos, quando muito (e não sei como), limitar a velocidade de circulação nas mesmas, mas jamais impedir que, seja quem for, circule nelas. Até porque isso seria espantar os inimigos que queremos conhecer para melhor os combater. Tudo o mais que tentemos fazer, mesmo em nome de boas intenções (das quais está o Inferno cheio), é pura imbecilidade. Aliás, relembro o filósofo Karl Popper (1902/1994) que disse: "A tentativa de construir o céu na terra produziu sempre o inferno" .


Parte II - O número de petições a correrem na "rede" a convidar os consumidores a boicotarem os produtos vendido da cadeia "Pingo Doce" é duma imbecilidade gritante. Não só na "rede" como também em vozes de quadrantes políticos. E vamos comprar onde? Nas cadeias de hipermercados da concorrência, certo? E onde é que estas outras cadeias de hipermercados têm as suas sedes de comando e centros de decisões? Em Portugal é que não. Vamos lá a deixarmo-nos de patriotismos bacocos. Já temos imbecis que cheguem neste País, não são necessários mais candidatos.


Vai acontecer

Lançamento do livro "Enquanto se esperam as naus do Reino" de João Aranha Meneses, com apresentação de Ana Vieira Castro. Na Livraria-Galeria Municipal Verney (Rua Cândido dos Reis, 90) em Oeiras (centro histórico). No próximo dia 17 de Janeiro, pelas 15H00.


Lançamento do livro "Lourenço Marques - acerto de contas com o passado 1951/1965" de Nuno Roque Silveira. Editado pela Colibri, será apresentado por Abdool Karim Vakil e Maria Graça Patrício. Com intervenção do grupo de jograis "U....Tópico"  haverá lugar, também, a um Porto de Honra. No Café Império (Avª Almirante Reis, 205) em Lisboa. No próximo dia 17 de Janeiro, pelas 18H00.


Debate promovido pela Associação Cristóvão Colon, subordinado ao tema "Colombo ou Colon? Factos, circunstâncias e conjunturas". A sessão será presididida por Manuela Mendonça, Presidente da Academia Portuguesa de História e terá, como oradores, Carlos Calado; João Brandão Ferreira e Carlos Neves. Baseado na temática sobre a eventual "falsidade do Colombo genovês e a mais que provável portugalidade do Grande Almirante" (conforme se lê no convite). Na Academia Portuguesa de História (Palácio dos Lilases, Alameda das Linhas de Torres - 198/200) em Lisboa. No próximo dia 18 de Janeiro, pelas 15H00.

Partiram

José Cândido - Artista plástico.
Pedro Osório - Pianista e compositor musical.
Malam Bacai Sanhá - Presidente da Guiné-Bissau.
Eve Arnold - Fotógrafa norte-americana.

Memória da semana

12/01/1923 - Sai a público o primeiro número da revista norte-americana "Time".
12/01/1946 - É criado o Conselho de Segurança da ONU.
12/01/1960 - Falecimento, em Londres, de Ágata Christie, a mais famosa escritora de romances policiais do mundo.
12/01/1998 - Assinado, por 19 países, o protocolo do  Conselho da Europa, que proíbe a clonagem de seres humanos.

13/01/1759 - A culminar o "processo dos Távoras", toda a família Távora é condenada e alguns deles mortos em Belém (Lisboa), bem como o Duque de Aveiro, por ordem judicial mas com influência directa do Marquês de Pombal. As múltiplas execuções sucederam-se durante todo o dia. No local onde os factos ocorreram existe um pequeno monumento de pedra a lembrar tal facto, no Páteo do Chão Salgado. O nome deste páteo ficou a dever-se ao facto do Marquês de Pombal ter mandado salgar o chão onde ocorreram os suplícios, para que do sangue ali derramado não nascesse mais nenhum membro daquelas famílias. Os Távoras e o Duque de Aveiro tinham sido acusados de atentarem contra a vida do Rei D.José I.

14/01/1875 - Nasce, em Kaysersberg, Albert Schweitzer. 

Foi dito

"O mundo tornou-se perigoso porque os homens aprenderam a dominar a Natureza, antes de se dominarem a si mesmos". - Albert Schweitzer (Fonte: pensamentos.com.sapo.pt)

Foi escrito

"...  Até o homicida em massa Anders Breivik era maçon, o que estragou a digestão a muitas famílias. Como é que este alucinado pôde conspirar em segredo, anos a fio, acolhido na respeitável Loja Joanina de St. Olau, tendo beneficiado de padrinhos tão importantes e sido admitido com base no seu bom carácter e posição social? ..." - excerto dum artigo de Nuno Rogeiro, titulado "Maçons em massa", na sua habitual coluna semanal "Relatório  Minoritário". (Sábado nº 402, págs. 44/45).

Foi humorizado

"O meu sonho era ser um cavaleiro da Távora Redonda" - Marquês de Pombal (Fonte:Morrer a rir - epitáfios apócrifos/ Hilário Antas / Ulmeiro)

"O biquini é como o arame farpado. Protege a propriedade sem restringir a vista" - Anónimo.

"Não bebas enquanto conduzes... porque podes entornar a cerveja" - Anónimo.


Nota: Todas as referências a instituições, marcas, firmas, livros, discos, filmes, ou quaisquer outras são incompatíveis com intuitos publicitários. A sua menção reflecte, tão-somente, a minha opinião.